quarta-feira, 27 de julho de 2016

Jornada

Hoje eu me vi sonhando acordado com você... e olha, foi um sonho bem louco, daqueles que você acorda e se pergunta do motivo de não ter continuado sonhando.. Eu não estava sonhado de verdade, mas também não estava completamente acordado, eu só estava ali, e nesse estado de tênue entre o real a o mundo de Morfeu, eu tive o vislumbrar de um mundo psicodélico e etéreo, mas ainda assim, que provocou em mim uma experiência sensorial muito rica e que quase me levou às lagrimas...

Não me recordo de como cheguei a esse mundo. Também não consigo imaginar como farei para daqui conseguir fugir. Quando me dei por mim, já estava aqui...

Esse é um mundo muito estranho. Tudo que consigo ver é um grande parque de diversões no meio do nada. Nos limites desse parque só existe areia e o resquício de uma luz do sol que há pouco se foi e que deixou apenas um brilho alaranjado que, contrastando com o breu da noite que caia, fazia o ambiente criar uma atmosfera lúgubre um tanto quando sombria. Aquele ambiente solitário e inóspito podia ser um reflexo do meu coração solitário e áspero, e talvez seja uma materialização dessa caracteristica. 

Na entrada desse parque eu olhei pra trás, e quando não consegui ver mais nada além de escuridão, decidi entrar. 

Entrei onde não soube e quedei-me não sabendo, e aqui dentro o medo tomou conta do meu ser. Não consigo entender que tipo de lugar é esse. Os brinquedos todos pintados de estranhas tonalidades, descascavam gastados pelo tempo. Como se estivessem ali à decadas. Não só os brinquedos. Mas as construções estavam todas mal tratadas pelo vento e pela poeira e já datavam de muito anos sem que ninguém se preocupasse com elas. 

Me estremeci ao notar as pessoas que enchiam aquele lugar. E quis correr dali e fugir, mas já não sabia mais onde estava a entrada. O parque estava cheio de pessoas, que andavam por todos os lados mas não diziam nada umas com as outras e nem brincavam, ou paravam em lugar algum. Quando me aproximei de uma mulher que andava segurando a mão de uma criança eu então me assuste ainda mais: percebi que nenhum dos dois possuia rosto. Não haviam olhos, boca ou nariz, só uma espaço da cor da pele sem mais detalhes. Um retrato grotesco, bizarro, que me arrepiou até a alma e me fez estremecer e correr, desesperadamente.

Depois de muitos brinquedos, pelos quais passei rapidamente, me deti somente em frente ao carrosel. Que imagem bizarra. Os animaizinhos com a pintura gasta rodopiavam enquanto subiam e desciam numa dança macabra e tinha a impressão de que seus olhos brilhavam num vermelho vivo, como sangue. Depois do carrossel, eu vi um grande picadeiro na minha frente... Não sei ao certo o motivo, mas já não tinha mais controle sobre mim e entrei. Ali, dezenas de pessoas sem rosto asssitiam a um show de horrores. Os palhaços eram os únicos a ter rosto ali, mas eu desejava que não o tivessem. Era uma visão infernal... a maquiagem descorada, as roupas puidas e aquele ar de mistério.

O mais estranho era estar ainda semi consciente de que era um sonho e não estava de fato dormindo. Eu consegui ouvir as pessoas a minha volta, mas também tinha a impressão de que podia tocar em qualquer coisa ali naquele lugar, que também seria real. A musica era alta, e eu reconhecia todas, como se eu mesmo estivesse escolhido a dedo o que tocaria naquela noite.

Voltei pra entrada desse circo dos horrores assim que cheguei ao centro e olhei pros palhaços, temendo que alguma coisa ali criasse vida. Quando me virei, foi aí que eu te vi... De pé, olhando pra mim por detrás da lona do picadeiro, e quando notou que eu também o observava, fugiu.

Corri logo atrás em seu encalço, e entrei sem pensar num lugar onde nem em circunstâncias normais eu entraria: Um labirinto de espelhos. O pânico de não conseguir ver uma saída e o espaço fechado em si mesmo fazem desse uma péssima forma de tortura pra um claustrofóbico como eu. A música agora era ouvida ao longe, mas ainda abafava qualquer outra possibilidade que eu pudesse ter de gritar, em uma eventual necessidade.

Entrei bem atrás dele e ainda pude ver o seu reflexo sumir por dentre os espelhos. No entanto, eu agora cansado e ofegante, só contemplava a mim mesmo em todos os ângulos possíveis. Virei pra vários lados, procurando uma saída até que ouvi uma risada infantil e sombria. Eis que então daria início ao jogo da vida. brincaria comigo até que eu estivesse acabado, insando, debruçado por sobre o chão.

Os espelhos se viraram todos ao mesmo tempo, como se alguém puxasse fios de algum lugar, longe dalí. Revelaram então, sua imagem refletido por inteiro. Ou talvez ele estivesse mesmo de pé bem ali na frente e eu não conseguira diferenciar sua imagem verdadeira dos reflexos. Um pouco mais baixo que eu. Roupas infantis. Me aproximei do espelho mais próximo que devia refletir também a minha imagem, mas que por algum motivo, ignorava a minha existência ali, à frente dele. Contemplei então sua imagem projetada na minha frente. Rosto infantil, doce. Usava uma calça marro. E uma camiseta verde, com as mangas cáqui. Olhar negro e profundo. Me perdi então no seu olhar e sem perceber como e nem porquê, comecei a chorar desesperadamente. Senti como se um golpe poderoso fosse desferido contra meu estômago. Minhas forças vacilaram, as pernas falharam e eu caí, desesperado, sem conseguir levantar e gritando desesperadamente de dor. Como uma criança perdida dos pais. Depois de muito chorar, levantei com algum esforço e tentei lentamente tocar o reflexo na minha frente. E como era de se esperar, os espelhos giraram de novo, revelando um caminho escuro a minha frente, e no fim dele a sombra de uma pessoa a correr. Corrí então de novo atrás dessa estranha figura, mas a cada vez que eu virava, os espelhos viravam também. Ora refletindo o meu semblante assustado com aquela situação, ora apenas um beco escuro, ora sua a visão daquele anjo de olhos negros.

Continuei a correr pelo que me pareceram horas, e nunca conseguia me aproximar do anjo. E nem da saída. Chegava a duvidar se existia mesmo uma forma de sair daquele lugar maldito. Novamente ao chão, molhado de suor e já desesperado, ouví novamente a risada macabra de antes e vi novamente o seu reflexo nos espelhos. A voz vinha do anjo. Ao me disse que estava atras de mim, e quando me virei, fui lançado com força para trás, quebrando um dos espelhos com a força do meu corpo. Quando recuperei a visão, depois de ter batido a cabeça com força. Ouvi a risada novamente e dessa vez todos os outros espelhos se quebraram, deixando uma mar de cacos aos meus pés. Olhei em volta do grande salão escuro então a procurar pelo anjo, e pude vislumbrar sua sombra, no único lugar iluminado na grande sala: a saída.

Comecei a correr em direção à saída, esmagando os estilhaços dos espelhos e sentindo o sangue quente descer pela minha testa e braços, resultado dos muitos cortes. Claro que mal tinha chegado à porta e a imagem do anjo correra novamente. Identifique-o em meio à multidão, e corri, dessa vez fitando o alvo que até então ficava imóvel. Parei ao notar que algo estava ainda mais errado alí. Olhei a minha volta e não reconheci mais o grande parque. O lugar todo parecia ter saltado ainda mais no tempo, viajado por séculos, e se antes parecia velho e mal cuidado, agora era apenas um monte de ruinas aqui e ali, a maior parte enterrada na grossa areia do deserto que obviamente avançara por sobre o parque, engolindo tudo num oceano de secura laranja. Mas a multidão ainda estava ali e o anjo também. Corri novamente atrás dele e quando o alcancei, finalmente consegui fazê-lo se virar pra mim, e querendo ver de novo aqueles profundo olhos escuros, entrei em pânico mais uma vez.

Sua face tinha sumido. Dera lugar ao mesmo rosto que os outros não tinham. Sentí o golpe novamente, dessa vez como uma batuda forte de um martelo de madeira numa superficie fria. Um golpe seco, poderoso. Um golpe do destino. E a risada do demônio ecoou novamente estridente pelos meus ouvidos quando eu acordei do sonho.

Não sabia então diferenciar se estava agora de fato acordado, ou ainda a sonhar. Ou se de fato estava a dormir ainda mais profundamente agora. Mas uma grande angustia se apoderou de mim e me privou de todos os sentidos. Não sentia mais nada de onde estava. Não via nem ouvia nada. Só conseguia imaginar a figura do anjo de olhos negros à minha frente.

De quem se tratava? Era um conhecido? Eu só sentia que sabia quem era, e que deveria voltar pra ele, mesmo que ele fugisse. Mas não o conhecia. Aquele anjo seria alguém de meu passado? Alguém que ainda vou conhecer? Porque fugira de mim? O que todo aquele lugar quis me mostrar e porque o diabo se divertira as minhas custas na Casa dos Espelhos sem que me desse a chance de entender o que acontecera comigo?

Penso agora que o sonho reflita o meu interior. O lugar desconhecido e as pessoas sem face, são fruto da minha falta de expectativa, da confusão de nçao saber onde estou ou o que devo fazer. A casa dos espelhos, a consequência dessa confusão: a loucura. E por fim, a busca pelo anjo de olhos negros, seria uma busca por uma pessoa desconhecida. Ora um alvo específico, ora uma busca desconhecida. Uma cornucópia de convulsões imaginadas por uma alma inflamada de amor. 

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