domingo, 10 de julho de 2016

Chuva

Shakespeare disse que "todo mundo é capaz de dominar uma dor, exceto quem a sente" e de fato, ultimamente tenho aprendido na carne os significados dessas palavras. 

Não vou, no entanto, dizer que sou incompreendido demais e que ninguém conseguiria viver ou suportar a minha dor, muito pelo contrário, pelo que sei da vida, posso afirmar que minha dor é mera birra de uma criança mimada. Na verdade, afirmo que ultimamente tenho sido completa e absurdamente incapaz de usar de empatia para com o meu próximo. Justamento por estar tão ocupado com minhas manias de criança, que não tenho conseguido me colocar no lugar do outro e conseguir com ele dividir suas dores e enxugar suas lágrimas.

Em outras palavras, diria que um moribundo não consegue ajudar alguém que se encontra na mesma situação. No entanto, ninguém é tão miserável que não tenha nada para dar, e por isso, no que as vezes se encontra dentro das minhas possibilidades, eu tento ajudar. Seja simplesmente ouvindo, ou tentando aconselhar, o que posso oferecer. Mas é justamente aqui que a minha pequenez volta a me cobrar uma taxa pesada demais: meu próprio fardo me oprime de tal modo que não posso me esquecer dele em função do outro. Deveria? Com toda certeza, mas não consigo.

Egoísmo de minha parte ser assim, mas pra ser sincero, acredito que eu esteja agora mais sozinho do que nunca. Claro, apesar de rodeado de muita gente, nunca me senti de fato em sintonia com alguém por muito tempo. Exceto claro, alguns amigos, muitos dos quais se afastaram ou estão se afastando de mim, e também daquele que um dia foi meu namorado. Mas hoje, me imagino como aquele jovem solitário que, sem mulher e nem família, vaga desesperançoso pelas ruas de pedra de uma cidade escura, enquanto uma chuva leve, porém gélida como o hálito da morte, o golpeando pelas costas. 

Durante sua caminhada, já com o humor um pouco alterado pelo alcool, ele se recorda de episódios que em sua lembrança romantizada lhe remetem a um passado feliz e cor de rosa. O contraste da cena se encontra justamente entre o rosa de sua antiga alegria, e do cinza choroso que reflete o seu estado atual. Andando sem destino, sem querer ir para sua casa, onde ninguém espera por ele, nosso jovem busca consolo na luz fraca dos postes e procura por uma brecha nas grossas nuvens que obscurecem as ruas e o preenchem de uma escuridão total. Como se o tempo refletisse seu coração e os céus chorassem suas dores em seu lugar.

Nosso andarilho solitário só percebe que também chora com o céu quando suas lágrimas aquecem seu rosto, ao se recordar de um dos muitos amores que o deixou. Sempre fora um deslocado completo, mas só agora ele se deu conta de que está na verdade à margem de toda a sociedade. Como aquele tipo de pessoa que os vizinhos só se dão conta que morreu quando o corpo já cheira mal. Desesperado então, por ter se dado conta de tal realidade, ele corre. Corre sem destino. Corre na busca desesperada de um abraço onde ele possa repousar e, nno meio daquele calor, chorar as suas mágoas e então renascer, 

Ele então sonha com esse abraço. Imagina os braços firmes e fortes ao seu redor. O coração batendo em seu ouvido. A respiração num momento de silêncio, e aquela voz que diz que tudo ficará bem, que não há mais preocupação, não há mais o que temer, a partir daquele momento serão apenas os dois. Ah, como ele sonha com esse abraço, com essa companhia, com esse amor. Mas no momento, esse sonho divide em seu coração espaço com a dor do amor que lhe abandonou. O amor em quem ele confiou, a quem ele se dedicou, por quem ele tudo abandonou, e que no fim, apenas lhe largou. 

A chuva diminuiu. Agora é apenas uma leve garoa que enche o ar de umidade e que deixa o coração de nosso amado repleto de desolação. Antes ao menos o barulho da chuva e do vento vorte lhe impediam de ouvir os gritos de desespero do seu próprio interior. Mas agora, no silêncio da noite, ao ouvir o seu interior, suas lágrimas vertem num verdadeiro acorde noturno de melancolia e tristeza. Ele se ajoelha no chão molhado e frio, e em constantes gritos de dor e desespero, tenta se livrar do que lhe mata. E assim, ele se obriga a se reerguer, não melhor que estava antes, mas apenas com uma máscara. É o dia que desponta, e ele passara toda a noite correndo, e agora precisa mostrar novamente a face de um vencedor para a sociedade. Acontece que "disfarçamos nosso abandono com frases ousadas e sem verdade alguma. O que a gente gostaria de dizer, mesmo, é: me dê sua mão." como disse Martha Medeiros, e assim, ele vai se apresentar ao mundo erguido e confiante, mas por dentro, continua a chorar como a chuva que caiu durante toda a noite...

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