quarta-feira, 10 de maio de 2023

Do desejo de conhecer

É próprio da mente criar e relacionar. Ao primeiro contato que nos espanta, diz Aristóteles, dá-se a largada ao conhecimento, e a imaginação é também uma forma de conhecimento pois, nascendo ela da memória, nos força a relacionar e formar analogias, as relações entre as diferenças e as semelhanças e, assim, recriar o mundo a nossa visão a partir da visão que temos do mundo. A imaginação retroage sobre si mesma. 

É esse tipo de experiência que ocorreu ao Van Gogh ao olhar para algumas gravuras japonesas e criar, a partir delas, alguns dos seus quadros mais famosos, ou quando Juarez Machado olhou para Van Gogh, Toulouse-Latrec ou Delacroix e então criar algumas das suas séries mais belas, com as moças formosas de contornos marcados, musculosas, ou as festas com mesas postas e convidados fartos, a conversarem alegremente entre si. 

Há algo na arte que nos faz relacionar com ela. Há algo na arte que nos torna participantes do ciclo de criadores e criaturas. Nem todos se sentaram ao redor de uma mesa luxuosa em Paris como mostram os quadros de Juarez, mas ao olhar para eles muitos conseguem se lembrar dos bons momentos com amigos e amantes ao redor de uma mesa num restaurante do centro ou na própria casa, talvez não com champanhe em taças de cristal mas com canecos de cerveja, e então quem vê aquele belo quadro se sente parte da própria pintura, talvez não chegue a pintar mas tirou uma foto que foi postada por vinte e quatro horas em alguma rede social, e outras pessoas quando viram se lembraram, elas mesmas, das experiências que tiveram.

E a arte pode ir ainda mais longe. Ela pode nos levar até mesmo a lugares que nunca fomos, como nos fazer sentir a brisa salgada do mar, nos desligar momentaneamente dos barulhos ao redor para pensar apenas no barulho do motor de um cruzeiro, no perfume dos charutos cubanos, no farfalhar dos grossos casacos. E de novo são experiências limitadas mas que se expandem e fazem aqueles que as vêm participantes daquela história. 

Daí vamos então construindo nossas próprias narrativas e personagens. Um homem que se sente mais elegante ao colocar um terno estampado, ou vestir uma casaca de almirante sem nunca ter servido a Marinha, coisas desse tipo que ajudam-nos a sobreviver os dias pesados abaixo das nuvens de chumbo. Respirar o ar fresco do mar dentro da própria casa ou nas paredes de uma galeria nos ajuda a sobreviver ao ar oleoso do nosso cotidiano e acaba por transformar o próprio ar ao transportar-nos a ele. 

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