quinta-feira, 18 de maio de 2023

Entre o cansaço e o tesão

É claro que eu estava cansado demais ontem a noite antes de dormir, e o meu tesão se misturou com o cansaço e me transformou numa massa disforme que acabou apagando depois de três músicas e dois pornôs. Amanheceu ligeiramente mais fresco e bem mais escuro do que nos outros dias de semana quente e absurdamente abafada, e eu bati uma antes de levantar, ainda pensando nele e me perguntando se era mesmo uma boa ideia fazer isso quando eu sabia que o dia seria cansativo, bem, foi assim que eu decidi me acordar e acho que até deu certo porque logo levantei e fui tomar banho antes que me atrasasse ainda mais. 

Um relato bem inútil, eu sei, e talvez eu só esteja tentando imitar o velho Buck mais uma vez, numa tentativa de parecer mais profundo, mais poético, mais sofrido, e não apenas um bobo reclamando demais de problemas idiotas, mas ainda assim acho que mostra um pouco de mim essa desesperança pornográfica que explode em porra e desânimo de um homem cujo ponto alto do dia é a meia garrafa de vinho barato depois de um dia longo de trabalho. 

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Hoje eu estou funcionando apenas no automático, sorrindo e conversando casualmente, aguentando quieto a colega sem noção, exercitando a paciência e apenas me concentrando no momento de descanso para mais tarde. Só quero abrir uma garrafa de vinho, ouvir uma música baixinho e finalmente deixar meu corpo dormir. 

Foram dias agitados, montagem de exposições, ânimos exaltados e, em todos esses momentos eu respirava fundo e deixava meu peito se inflamar de amor, apenas conseguia pensar nele como um porto seguro, uma calmaria no meio da tempestade de um dia a dia louco. Talvez ele não saiba, e nunca chegue a saber, o quanto eu penso nele em momentos como esses. 

Estou em outro mundo, meditando todo o tempo, aumentando o volume da minha melodia interior e às vezes até cantando baixinho mesmo. Só assim eu consigo me defender dessa banalidade tremenda, dessa dificuldade das pessoas em insistir no dispensável e trivial, em se concentrar em tanta besteira. Eu estou em outro mundo, aqui só há os valores que eu consigo captar das músicas. 

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Essa cidade parece estar sempre optando pelo incômodo: ou exagera num abafamento úmido ou entristece o semblante do horizonte com uma fina e contínua camada de chuva, pesadas nuvens acima de nossas cabeças e pensamentos que se perdem junto a enxurrada que alaga as ruas do centro. O único consolo diário que os pobres trabalhadores têm são as belas figuras de deuses que caminham entre nós, ainda que não pareçam padecer das mesmas mazelas. Estão de pé nos ônibus lotados mas não transpiram e não se desesperam, nem trazem consigo aquele olhar cansado e triste de quem sabe que sua vida não deve passar muito além disso. Eles caminham entre as pessoas e iluminam um e outro rosto atormentado que encontra na sua beleza um frescor em meio ao calor intenso do fim do verão que parece ter se estendido muito além da conta pelo simples prazer de maltratar os homens. 

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E eu estou sempre cansado demais para tentar fazer algum amigo ou quem sabe tentar outra coisa. Converso por algumas horas de um dia e, no outro, já estou cansado demais para manter um diálogo e aí morre. Isso porque o cansaço é só um reflexo de como estou desencantado e sem esperança. Eu digo isso com a mente em giro e um sorriso irônico que só estampa minha face porque eu criei o hábito patético de sorrir sempre e agora não consigo mais expressar de modo algum a escuridão do meu peito e o cinza com que enxergo o mundo ao meu redor. 

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Imagem: Embrace, 1912 - Egon Schiele.

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