quarta-feira, 10 de maio de 2023

Melodia Interior

Uma vez mais eu sinto que o mundo ao meu redor não exige muito mais de mim além da mediocridade. Basta levantar cedo e trabalhar como um adulto funcional, não me sendo exigido nenhum conhecimento, nada de sabedoria, além daquele necessário ao exercício da minha própria profissão, mesmo que a profissão seja, de algum modo, relacionada ao trabalho intelectual. Basta aprender algumas expressões especializadas e é suficiente. Não importa então que eu vá trabalhar chapado de remédios pra alergia ou que chegue em casa tão cansado que apague imediatamente ao cair na cama, sem disposição pra ouvir uma música sequer, abrir uma garrafa de um vinho barato ou mesmo bater uma punheta. 

E era uma noite até fresca, mas eu não pude sentar na sacada porque enfiaram nela um monte de coisas velhas e feias, inclusive um viveiro horroroso com dois pássaros idiotas que fazem sujeira pra tudo quanto é lado. Nenhuma perspectiva de como é uma sacada até bela e que poderia ser usada em momentos agradáveis quando precisamos tomar um ar. Isso não ocorreu a ninguém. Tomei o vinho ali mesmo, sentado na sala enquanto devorava uma porção de amendoim, o que deixou a minha pele oleosa, mas eu nem liguei, só queria ter ficado ali sozinho, isso era o menor dos meus problemas, eu só queria ter aproveitado o escuro e a música baixinha um pouco antes de dormir. Mas isso também me foi tirado, porque eu não posso ser nada além de um homem medíocre que levanta cedo, vai trabalhar, e chega cansado demais pra ter algo bobo com um tempo agradável, por mais mínimo que seja. 

Acabei sendo obrigado a me deparar com uma questão essencial para a minha vida intelectual e que eu já vinha trabalhando há algum tempo e que agora se mostra ainda mais importante. A confusão que foi gerada a partir daí foi algo que eu não podia imaginar, e que podia ser evitada justamente com um olhar um pouco mais prático, algo simples na verdade. 

O Professor Olavo há muito havia alertado da necessidade de criar uma defesa contra a banalidade do ambiente e agora, mais do que nunca, isso se mostra necessário. Viciadas em giros de linguagem que pegaram do inglês as pessoas acabam perdendo a sensibilidade do próprio idioma, se tornam incapazes de entender a própria língua ao se habituarem a consumirem outro idioma, especialmente se tratando de conteúdo de baixa qualidade intelectual, aí os impactos são devastadores. 

Por isso eu venho reforçando aquela blindagem por meio de uma extensa coleção de melodias. Infelizmente ontem não foi possível deixar de me estressar com o baixo nível das pessoas e a sua mania praticamente incurável de dar atenção a coisas absolutamente sem importância, ao passo que o essencial fica legado ao esquecimento, retrato de um defasado senso das proporções, praticamente inexistente. 

As pessoas ao meu redor se gabam de práticas esotéricas como se fossem o auge da inteligência humana quando, na realidade, estão só ficando cada vez mais burras e, justamente por isso, o pouco que elas conseguem perceber e expressar torna-se então algo da mais alta importância. Trata-se de uma clara deficiência da linguagem que só poderia ser resolvida com muita leitura de qualidade, coisa que eu nem preciso dizer que passa bem longe dessa gente. 

Suas personalidades são fracas, elas perdem tempo demais e sofrem demais por coisas bobas, são incapazes de estabelecer com o mínimo de precisão o senso da forma e das proporções. Ao fazerem isso sacrificam seu tempo e sua alma em discussões inúteis. 

Mas eu me incomodo de ter me incomodado com isso, enquanto devia apenas ter aumentado o volume da música e aceitado, e não deixado me influenciar. Infelizmente isso mostra também a fraqueza da minha personalidade, que precisa se fortalecer mais e mais de agora em diante. 

Recordo de dois valiosos conselhos de S. Tomás que me servirão de bússola nessa caminhada:  "Mostrai-vos amável com todos" e "Não sejais demasiadamente íntimo de ninguém, pois o excesso de familiaridade gera o menosprezo e a ocasião de subtrair tempo ao estudo."

De fato o meu trato com o outro deve ser de amabilidade, mas ao mesmo tempo eu preciso saber policiar o meu relacionamento afim de não me deixar ser como os outros que tanto se ocupam de coisas menores e nada deixam para se dedicar as coisas sérias. As longas conversas, os devaneios prolongados, tudo isso acaba se tornando um veneno na já limitada vida intelectual podada pelo tempo consumido no trabalho. 

E até aqui já noto os efeitos negativos dessa convivência, já que essas palavras são muito resumidas se comparadas com aquelas que eu trabalhava em minha mente antes de começar a escrever, isso porque o próprio trabalho e a banalidade desse ambiente me podaram assim que me sentei à mesa. É mais um claro sinal de que preciso me fortalecer e amadurecer na vida de estudos. 

Ao me deixar levar pelo momento e me dominar, ainda que brevemente, pela fúria, eu só mostrei o quão fraca é minha personalidade e o quão pífia é minha vontade. Mais do que nunca eu percebo que preciso crescer. Mais do que nunca percebo que preciso aumentar o volume da minha melodia interior e, assim, me abrir pra experiências mais e mais levadas, superando então não apenas a banalidade que me rodeia mas também a minha própria banalidade.

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Imagem: Pyotr Ilyich Tchaikovsky, Nikolai Kuznetsov.

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