quarta-feira, 31 de maio de 2023

Desejo de conhecer

Aristóteles inicia o seu livro mais célebre, a Metafísica, dizendo que "Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer, sinal disso é a estima dos sentidos". E isso significa que, é normal o homem conhecer e se interessar pela realidade, e boa parte desse conhecimento lhe vem pelos sentidos, por isso desde pequenos os bebês já dedicam tanto tempo e atenção a descobrir o próprio corpo e depois o mundo que o cerca. Essa inclinação natural perdura por toda a vida mas, com algum custo, pode acabar se pervertendo. 

É certo também que o homem tem um conhecimento limitado e se encontra naquela experiência que Anaximandro chamou de Apeiron, o ilimitado, o desconhecido que circunda o conhecido. Todos estamos como que enxergando uma esfera de luz que boia num oceano de escuridão, sendo que a nossa inteligência é então capaz de aumentar mais e mais esse circulo do conhecido mas, ao mesmo tempo, só pode se aproximar do conhecimento como numa assíntota, o homem pode sempre conhecer mais mas nunca pode conhecer tudo pois o conhecimento de tudo significaria que o homem se tornou o próprio Deus. 

Esse homem continua então conhecendo, e conhecendo os limites do que sabe e, não raro, ao contemplar o horizonte do desconhecido, os limites da sua consciência, reagem de modos diversos: alguns se desesperam e então se apegam em simulacros de verdade, coisas que simulem o conhecimento de modo que, protegido do dever de buscar a verdade, ele pode afirmar que já a achou. Outros podem sentir que o horizonte é como um chamado a conhecer, como um sol poente que dá lugar a escuridão mas deixa no coração do homem a esperança de voltar a brilhar no dia seguinte, assim algumas almas passam desse primeiro nível, o da estupefação maravilhosa do conhecimento pelos sentidos e os coloca em ordem para continuar a conhecer. 

Claro que é um caminho árduo, e o esforço que uma pessoa pode fazer para responder uma única pergunta pode transcender o tempo de sua vida. Aqueles que possuem verdadeira sede de conhecer e humildade de reconhecer os limites não se desesperam e nem se entristecem, senão que se alegram ou pelos menos se resignam com as imensas possibilidades que se abrem diante deles. Essas almas corajosas conseguem perceber a dificuldade da coisa e ainda assim continuar a conhecer. 

Uma conclusão disso é que o conhecer se torna então uma opção moral do homem. Nas palavras de Olavo de Carvalho "Quando você transcende a esfera daquele ambiente limitado, deprimente e culturalmente desértico, no qual praticamente todos os brasileiros são criados hoje, e descobre o universo da alta cultura, você quer engolir tudo aquilo de uma vez e, então, surge uma avidez de conhecimento. Mas acontece o seguinte: a aquisição de conhecimento impõe um peso sobre a alma: você ficou sabendo o que antes não sabia. Para cada coisa que você sabe, aparecem mil dúvidas. Então você entre no mecanismo das perguntas sem respostas. Você, evidentemente, se neurotiza. Isso quer dizer que a aquisição de conhecimento deve ser acompanhada de um fortalecimento da alma, para enfrentar isso." (COF 111)

É essa decisão de continuar a conhecer, de fazer a opção de buscar e de aceitar as consequências disso que fazem o homem intelectual ser quem ele é. Essa experiência pode ser, como já disse, complicada e demorada, ao fim de uma vida um homem pode ter muitas dúvidas, mas ele se aproxima da Verdade por amor a ela e não pelo desejo de possuí-la, no sentido de contê-la em si, mas esse amor pela Verdade o faz ser absorvido por ela. Essa posição, madura e realista, é condizente com a mesma realidade que, a princípio, despertou o desejo de conhecer. 

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Platão e Aristóteles na Academia de Atenas, Michelangelo.

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