terça-feira, 23 de maio de 2023

Torrente caótica

Não tenho tempo para pensar num formato para esse texto, apenas vou despejar a torrente que me vem antes que o remédio para dormir faça efeito e eu comece a procurar por compras absurdas na internet. E isso se eu não apagar antes pois, de tão cansado que estou e ao chegar me casa ver todas as minhas coisas reviradas eu simplesmente me senti ainda mais cansado e decidi que não vou lidar com nada disso hoje. Não vou arrumar o armário, larguei a mochila em qualquer lugar, a barba eu adiei por mais uma semana, nem mesmo as séries eu vou ver hoje, porque prefiro ficar no escuro do quarto. E daí se os episódios vão atrasar? Dane-se, dane-se tudo, porque no fim eu só posso abraçar o caos. Abraçar o caos de ficar doente no último dia da minha folga, abraçar o caos de que os contatos que fiz naquele aplicativo não deram em nada pra mim e que eu nem mesmo quero conversar com eles ou com qualquer outro que seja, nenhum deles vai ser capaz de me amar. Os bonitos nunca olharão para mim, e todos devem ter outros dez pretendentes mais bonitos ou com o pau maior do que meu. Eu sou peludo e pequeno e tenho acessos de depressão. Minha libido só não encontra petróleo porque não se mexe o bastante pra cavar ainda mais no fundo do poço. E eu até tinha planejado beber um vinho e comer alguma coisa antes de dormir, mas não quero. Não quero levantar e abrir a garrafa, não quero minha mãe perguntando o que aconteceu, não quero. Mas o que aconteceu? Nada, nada aconteceu na minha vida patética. Eu apenas passei o dia pra lá e pra cá respondendo e-mails e mensagens, postando em redes sociais e achando que nada disso vai ter nenhum resultado. Também fiz um atendimento, absurdamente chato em que a senhora queria obrigar a neta a se interessar por arte e eu lamentavelmente não consegui fazer nada além de deixar a pobrezinha profundamente entediada. Não a culpo, eu também queria voltar pra minha sala e devorar uma barra de chocolate com café frio enquanto ouvia uma playlist de cantores taiwaneses tristes. Hoje não vai ter vinho barato no jantar, também não tenho dinheiro para pedir comida e tenho preguiça pra fazer o que quer que seja, vou dormir com sono, com fome e irritado, cansado demais pra responder a meia dúzia de mensagens dos meus amigos. Cansado pra procura onde enfiaram as minhas coisas de qualquer jeito e, aliás, skincare não faz milagre então não adiantaria muita coisa, e então eu desisti. Assim como desisti de tentar achar alguém, agora só preciso tirar esse sorriso patético do rosto e aceitar a vida cinza que eu realmente tenho e que ninguém vê porque eu continuo sendo um bobo. Desisti da coerência, desisti da ordem, desisti de criticar os pobres que se perderam na falta de forma da arte. Desisti e percebi que mesmo assim continuo sorrindo debilmente e ninguém consegue ver que, na realidade, eu trago um olhar vazio e indolente que anseia pelo fim mais do que qualquer outra coisa. Desisti até dos aplicativos porque chego sempre tão cansado que, em que momento eu vou conhecer alguém e fazer amigos, como posso pelo menos pensar em me relacionar se não consigo nem chegar em casa e ficar ainda acordado por três ou quatro horas? Desisti porque eu não bebo, não fumo e nem transo como o velho Buck fazia e então por isso nem minhas palavras têm a força que as dele têm, ainda que seja uma força nojenta. E ele teria nojo de um veadinho como eu. Desisti e então só meti trinta gotas de Rivotril goela abaixo, teria sido com um golada de vinho se tivesse aberto a garrafa, mas nem isso, e eu estou cansado demais até pra continuar esse texto. Vou dormir e, quem sabe, a quantidade de remédio que eu tomei nos últimos dias me façam vomitar sangue até morrer. 

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