sábado, 13 de maio de 2023

E se?

Me ocorreu brevemente, enquanto lia poemas de Carlos Drummond de Andrade mas pensava numa conversa aleatória de meses atrás: E se eu fosse apresentado para seus pais? E se começasse a participar das reuniões de família? Vejo que seus pais gostam de receber amigos e parentes, imagino, em casa, já que sempre vejo movimento quando passo lá na frente após o expediente de sábado. E se nossas famílias se encontrassem? E se, depois de oito ou nove anos eles finalmente me aceitassem como seu parceiro? E se então eles percebessem que somos normais e que eu posso ser interessante, e que amo você de verdade e que juntos, na missa de domingo, mãos se tocando levemente no banco, nós somos felizes?

E, embora os parágrafos eu comece a escrever dois ou três dias depois do primeiro, me veio uma experiência análoga, que se diferencia na intensidade mas que tem por base fundante o mesmo princípio. 

Dois amantes que se reencontraram dez anos depois de um término repleto de mágoas, que inclusive quebrou as suas personalidades, deixando um deles em estado de depressão catatônica contra o qual ele precisou lutar por anos para conseguir sobreviver, sem um brilho no olhar ou uma razão para fazer algo além de trabalhar e voltar para casa dormir e esperar o próximo dia. O outro se perdeu e chegou até mesmo a buscar dar cabo de sua vida com drogas que ele conseguiu de um conhecido da indústria farmacêutica internacional. O reencontro, num momento de desespero mundial deu a eles a oportunidade de se perdoarem, bem como de passarem seus últimos momentos juntos. 

Ante a face do completo colapso global um amor pode diminuir o medo profundo. E então naquele carro estacionado à beira da estrada, eles reconhecem que aproveitam a felicidade de encontrarem um ao outro novamente, e se entregam ao desejo há uma década reprimido entre a dor e o rancor. O beijo apaixonado e os toques quentes, as palavras que saem com aquela leve fumaça e que roça delicadamente o rosto do amado ao dizer que ele gostaria de passar o dia inteiro transando com o outro, até que o mundo acabasse. Esse seria o melhor fim possível. 

E é claro que a isso seguiu-se uma intensa noite de amor, onde se livraram de todas as inibições do últimos anos e colocaram em jogo o desejo há tanto acorrentado pelas dolorosas lembranças. E foram horas longas e tórridas, ambos banhados em suor e porra, saliva escorrendo nos membros em riste, gemidos altos que tentavam abafar em vão com as mãos. O amor, esse amor, não pode ser contido. 

Outra experiência é a do casal que recém começou a se conhecer. O medo, aquela doce insegurança, os sorrisos tímidos, as conversas prolongadas porque eles querem ficar mais e mais tempo juntos. Essa aura de frescor de um novo amor é sempre impressionante.

E então eu penso nas minhas experiências, do quão eu fico bobo ao ler algumas mensagens ou quando ganho um abraço de um quase desconhecido que se mostrou muito simpático. Experiências de desejo intenso, daquela vontade de transar o dia inteiro até o mundo acabar, sem pensar em nada mais além daquela presença ali, da respiração arfada, do líquido prata que escorre, do suor a abrilhantar a carne vermelha e as palavras de desejo ditas baixinho. 

Penso também em todas as vezes que meu peito se inflama de amor e eu preciso levantar, ainda que seja no meio da noite ou em pausas apressadas no trabalho, para escrever e colocar aqui o que faz meu coração palpitar mais forte e até mesmo mudar a minha respiração em arfadas pesadas. Muitas vezes apenas os primeiros acordes de uma música são suficientes para despertar em mim uma paixão que me abrasa de dentro para fora, que muitas vezes jorra em água de prata ou lágrimas pesadas na escuridão silenciosa, mas também que se expande em palavras que ninguém lê mas que meu peito se apraz em escrever.

São vários aspectos de uma mesma experiência. Aspectos que me pergunto quais seus lugares no meu peito, o quão eu me dedico a pensar nisso para tentar suprir a minha solidão. E some-se a isso a indiferença niilista que resultou dos fracassos que me trouxeram até aqui.

"Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco."
(Carlos Drummond de Andrade) 

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