segunda-feira, 6 de março de 2017

Buraco negro

Hoje acordei com uma vontade simples: sentar aqui e escrever. Já há vários dias eu não sentia essa vontade e me obriguei a escrever apenas para não perder o costume, até porque eu temia acabar abandonando essa prática que tanto tem me ajudado. 

Sinto que não tenho sido completamente sincero comigo mesmo nos textos dos últimos dias. Não que eu tenha deixado de dizer algo que gostaria, mas que não disse da forma como gostaria, por isso as postagens dos últimos meses reduziram consideravelmente de tamanho. Vinha dizendo apenas o básico, sem muita elaboração estética e nem muita profundidade, ia direto ao ponto, e isso vinha me fazendo mal.

Vinha me prejudicando justamente porque minha característica principal é a profundidade, e sem ela, obviamente me torno vazio, e sem meu principal traço, deixo de existir. 

Tenho portanto tentado viver apenas superficialmente. O que isso significa? Que tenho tentado, com todas as minhas forças, não mergulhar de cabeça em nada. Tudo o que tenho feito, desde minhas amizades até minhas obrigações na igreja, bem como estudos e a busca por um emprego, tem sido de maneira a, primeiramente, não deixar de fazer nada e, ao mesmo tempo, não me esforçar demais, de modo a não surtar completamente.

Acontece que me deixei ser dominado pelo medo, e ele tem me paralisado, quase que completamente. Uma paralisia inicialmente mental, mas que logo se torna também física, me impedindo de tomar qualquer atitude que seja.

O medo que eu tenho é de, acabar indo em direção a um buraco negro e não conseguir sair.

Acontece mais ou menos assim. Toda vez que eu começo algo, que exige demais da minha mente, nem tanto do corpo, eu acabo por começar a ver as coisas de forma anuviada, como se eu lentamente começasse a me distanciar da realidade. Não sei se consigo explicar direito dessa forma, provavelmente não, mas talvez com um exercício mental isso seja possível... Quem sabe ao som de Brahms...

~

Numa terra cujo nome não precisa ser revelado, um jovem acorda meio perdido, sem saber o que deve fazer. Não acordou assim por conta do sono ou das muitas noites mal dormidas as quais ele sobreviveu. Mas acordou perdido por estar perdido em sua vida, sem saber o que fazer com o seu futuro já iminentemente próximo.

Ele senta-se na cama e começa a observar o espaço vazio na parede a sua frente. Aquele espaço parece refletir sua mente, mas não seu coração. Este, ao contrário, se encontra cheio e turbulento, em irônica oposição a mente praticamente estagnada do rapaz. 

Aquele espaço vazio começa então a exibir as imagens que, fluindo de seu coração, paralisam sua mente. São imagens dos mais variados tipos, algumas clara e nítidas, outras borradas e disformes, sendo apenas mesclas de sentidos e emoções. 

A primeira imagem que lhe vem a superfície é a de seu amor. Um belo rapaz de cabelos negros, que foi embora para uma terra longínqua para nunca mais voltar, atrás de seus próprios sonhos. Surgindo de maneira gloriosa, a imagem de seu amado lhe traz paz, mas quando ela lentamente começa a se tornar envolta na névoa da distância que se interpõe entre os dois essa paz se transforma em desespero, e nosso jovem sente lágrimas quentes escorrerem pelo seu rosto, como se dissessem um adeus silencioso. 

Depois da imagem de seu amado, lhe vem uma cena de dor e sofrimento. Ele se vê obrigado a trabalhar incessantemente pelo resto de sua vida. Vê sua própria figura, distorcida pelo tempo e pela idade, abrasada pelo sol e esmagada pelos sofrimentos de uma vida de luta. Ele não vê naquela figura nenhum sinal de honra ou dignidade. Não vê em seu futuro nada brilhante e nem sequer admirável. Vê apenas o retrato miserável da sobrevivência que o mundo lhe obrigou a ter. Não será grande, nem belo, nem majestoso, apenas senil, miserável, pobre e disforme, aguardando lentamente o glorioso momento em que se verá abraçado pelas mãos frias de sua amada irmã, a morte. Ele observa a si mesmo no futuro, entregando-se de bom grado a ela, e deixando se conduzir para o outro mundo, sendo este o único cortejo glorioso de sua existência inexistente.

Aquela imagem o encheu de tristeza e melancolia. Ele deitou-se novamente, abraçando o próprio corpo e agora consciente das lágrimas pesadas que escorriam por seu corpo e filtravam seu olhar. Mas as imagens que ele via na parede não estavam lá de fato, mas fruíam de seu próprio coração e eram então projetadas ante seus olhos. 

A exibição continuava, cada vez mais levando nosso pobre rapaz a um estado de quase loucura. Ele via seus amigos indo embora, abandonando-o, um por um. Via também aqueles a quem ele devia amar, ou que em algum momento despertaram algum sentimento dele. Todos também iam embora. O leãozinho, o fruto proibido, todos se foram para nunca mais voltar. 

E essa distância foi pra ele a última dor... Enquanto via todos se distanciando dele, seu amado, seus amigos, seus amores, seus sonhos... E ele ficou ali sozinho, deitado, chorando, tentando se levantar, mas sem forças para isso. 

E aos poucos o sono foi voltando, anuviando lentamente sua mente, e bloqueando seus sentidos. Já não sentia mais as pernas, nem tinha forças para tentar se levantar. A névoa foi ficando cada vez mais densa e logo o envolveu completamente, corpo, coração, mente e sentidos. E ele voltou a dormir. Sem forças, sem sonhos, sem amores, sozinho, abandonado, frio e mórbido. 

Já em outro plano, provavelmente sonhando, ele viu novamente a irmã morte, no fim de um grande buraco negro. Ele não pensou duas vezes, logo partiu em direção ao buraco negro, em direção a incerteza de um futuro melhor, ao lado da sua amada irmã. 

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