quarta-feira, 15 de março de 2017

Escada

Há em você algum desejo? Algo que você deseje imensamente a ponto de acreditar que assim será feliz? Onde você acredita que estará sua felicidade? 

Já depositei minha felicidade em muitas coisas, coisas mesmo. Acreditava que ela poderia estar entre tecidos de roupas caras e que correspondessem aos meus gostos, ou que estivesse em objetos mil dos quais não havia nenhuma necessidade em tê-los.. Também já depositei minha felicidade em momentos... Como ficar deitado ouvindo uma boa música ou a chuva bater na janela, ou ainda observar a lua enquanto caminhava com a maré a bater nas pernas. Acreditava eu que minha felicidade estava ali.

Mas comprar aquela calça indiana não me fez feliz, nem aquele casaco com modelagem americana tampouco. Mesmo estando feliz ouvindo musica ou a chuva, houve momentos em que esses sons foram abafados pelos gemidos do meu choro, ou pelos gritos do meu coração, então minha felicidade não estava nesses momentos.

Depositei minha felicidade em crenças inúteis, quando acreditei que seria feliz ao terminar a faculdade, ou que seria feliz quando começasse a namorar, ou que seria feliz voltando a ser solteiro. 

Terminei a faculdade e descobri que meus estudos estavam apenas no começo, e que tudo tinha sido fácil demais, e que nem sequer tenho ainda a certeza de que serei feliz seguindo a carreira que escolhi para mim. Nem de perto essa confusão é a felicidade. Comecei a namorar e o que eu acreditava ser felicidade provou ser apenas uma alegria fugaz quando terminamos, passei a acreditar então que seria feliz sozinho, mas descobri que minha carência praticamente me fechou essa porta. 

Estou então longe da felicidade, tão longe que não sei precisar qual seria sua forma ou sua aparência... 

Num esforço de tentar abarcar um conceito desconhecido que só pode ser compreendido se vivenciado, minha mente criou a imagem de um lugar distante...

Eu me vejo então saindo de casa numa noite escura e fria. No céu, nenhuma nuvem, apenas milhões de estrelas que formam um luxuoso conjunto de tapeçarias celestes a enfeitar o universo.  Por detrás da casa havia uma grande escada, que não se destacava muito da vegetação do jardim, exceto por estranhas luzes que a tornavam visível. Essa escada, disfarçada, levava a um grande vale. Quem olhasse por fora acreditava que depois dali não haveria nada além de uma densa vegetação e que, exceto pelo mérito da beleza natural, nada de realmente deslumbrante poderia ser achado. No entanto aquela escada conduzia as almas que buscam a felicidade para o seu lugar de descanso, e ao subir cada degrau, elas se aproximavam cada vez mais da perfeita alegria. 

Ao cruzar o vale, as almas encontram um gigantesco jardim, cuja beleza não pode ser traduzida em nenhuma linguagem humana. Até mesmo os anjos teria dificuldade de dizer o quão aquele lugar é especial. Nele se encontra a eterna beleza divinal, a beatífica visão dos santos do Apocalipse.

Mas aos homens não é dada a possibilidade de conhecer a localização daquela escada antes da hora, portanto eles precisam procurar, e buscando a felicidade em todos os lugares da terra, correm também o risco de acreditarem tê-la achado em locais onde ela não está. 

Não é uma realidade etérea, nem um mundo feito de nuvens, mas também sua realidade não é apenas palpável e tangível, é o local do encontro do tocável com o superior, onde o tangível e o intangível coexistem pacificamente só para a a honra daquele que os criou. Homens e anjos, todos vivendo apenas para o eterno deleite. Ali a felicidade manifestava sua plenitude, como forma, cor e aroma, mas também em força suprema. Existia numa existência impossível de se expressar, pois ao mesmo tempo em que se manifestava fisicamente, era uma presença que transcendia o espiritual, era divinal.

Fui entrando lentamente, e aos poucos iam se revelando ante os meus olhos maravilhas indescritíveis. Ouvi a voz grave do Pater Profundus, um sábio que vivera há muito tempo atrás, e que me explicava ser aquele lugar, o último lugar que um homem iria conhecer. Ele me conduziu por uma via iluminada, que faria as estrelas do céu parecerem opacas de tão brilhante que era. O Pater Profundus ia me explicando tudo, todas as dúvidas que tinha, antes mesmo de eu perguntar.

Chegamos num lugar que parecia ter sido esculpido em pérolas e diamantes, e ainda assim o lugar não parecia nem de perto ser tão brilhante quanto as vestes dos milhares que me cercavam. E mesmo sendo muitos, o lugar parecia confortavelmente grande, como se nunca fosse se encher, mesmo já estando cheio. Fui colocado de pé em frente a fonte de toda aquela beleza, e não me atrevo a tentar descrever aqui como era. A minha volta se encontravam algumas mulheres, de grande sabedoria, e que cantaram, uma após a outra, a história de minha vida, destacando episódios de grande honra e sensatez, bem como de pecados e imundícies. Quando terminaram de cantar, outra voz se vez ecoar por todo o vale, era a mais bela voz que poderia existir, e mesmo tendo dito poucas palavras, todos se curvaram em reverência a ela. Quando a voz terminou de ecoar, eu, que desde que entrei ali me encontrava num, estava agora revestido com a mesma alvura de todos os que ali estavam presentes. 

Ergui o rosto pela primeira vez, e então contemplei aquela visão, e sabia eu, que ali ficaria, até depois do tempo em que o tempo não mais existirá.

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