terça-feira, 21 de março de 2017

Existencialismo

Somos criaturas questionadoras, curiosas por natureza. O homem em sua essência sempre busca respostas para questionamentos mil que lhe surgem a todo momento. Tão incontáveis quanto as perguntas são os temas acerca das quais as mesmas são feitas.

Buscamos respostas para questões simples do cotidiano, como de que forma podemos preparar este ou aquele alimento, como podemos tocar determinada musica de forma mais profissional e assim vai indo. É a inteligência prática, das pessoas que buscam formas melhores de contribuir praticamente na construção de uma sociedade melhor. Buscam facilidade, eficiência. 

Por outro lado existem aqueles que se ocupam de questões complexas, que muitas vezes requerem um longo período de reflexão e discussão para então proporcionar alguma mudança real no mundo. Tais pessoas não são inúteis ao todo, pois muito embora pareçam ociosos ocupando-se de trabalhos intelectuais, são estes pensadores que tentam melhorar o mundo através de um questionamento basilar: a causalidade da existência humana. 

Essas pessoas se questionam diariamente sobre quem somos, o que somos, e sobre os motivos que existem por detrás de nossa existência. Destes pensadores milhares de teorias foram formuladas, cada uma delas buscando explicar a sua maneira a forma como as coisas foram feitas, pois muitos acreditam que, determinando o início e compreendendo a forma, pode-se compreender também a causa. É uma espécie de desconstrucionismo do mundo. Primeiro o conjunto do todo é observado em sua totalidade, e depois essa totalidade é separada, parte por parte, em pedaços menores na intenção de compreender do que é formado esse todo.

Se pegamos o número quatro e o dividimos por dois, obtemos duas partes que formam o todo. Essas partes por sua vez podem ser divididas em outras duas ainda menores, que formam a divisão da primeira. De igual maneira, o homem é um todo, que faz parte de um todo maior ainda, ao qual chamamos de sociedade, desconstruindo a sociedade obtemos pequenos grupos sociais, descontruindo esses obtemos o homem e desconstruindo o homem obtemos as diversas partes quem compõem o homem.

Essa vertente pode ser encarada de dois prismas distintos, que podem ainda ser mesclados. O primeiro diz respeito a desconstrução do homem físico em sistemas, órgãos, tecidos, células e assim sucessivamente até que cheguemos ao átomo, ou alguma estrutura ainda mais básica, que forme o homem. O segundo prisma, o qual me interessa, diz respeito aos aspectos sociais e pessoais da formação humana, dentre eles os aspectos biológicos do prisma anterior. 

O homem é formado de aptidões e características inatas. Por exemplo, homens nascem com a pele negra, caucasiana, parda, dentre outras, ou olhos castanhos, azuis, verdes, dentre muitas outras cores. Por um outro lado ele também é formado pelas influências externas que pesam sobre ele a todo momento. Essas influências são, por sua vez, fruto de influências aplicadas sobre os outros, que as aplicam sobre nós. Partindo dessa premissa podemos ver que não é possível desconstruir o homem sem levar em consideração o fato de que ele é um ser social.

Somos formados pelos laços e interações para com as pessoas que nos cercam. Ao longo de nossa vida convivemos com diferentes pessoas, de diferentes opiniões, pontos de vista e expressões, e essa convivência é por vezes dolorosa.

Como de costume, retomo uma alegoria de que gosto muito, a do Dilema do Ouriço. Todos somos formados por espinhos, que nos protegem de inimigos e ameaças internas, mas esses espinhos estão presos em nossa pele, e assim como nós, o outro também possui espinhos. Mantendo uma distância segura, podemos viver pacificamente sem nos machucar. No entanto, quando chega o inverno, isto é, quando chegam as adversidades da vida, não podemos manter a distância e precisamos nos aquecer. Mas os espinhos ferem uns aos outros e os ouriços correm o risco de morrerem se tornarem a se afastar.

Podem decidir então se afastar e morrer de frio, ou acostumarem-se com os espinhos, que mesmo machucando, possibilitam a troca de calor necessária a existência. Essa troca de calor é a convivência com o outro. 

O homem pode chegar a várias conclusões sozinho. Se deixado numa floresta pode acabar aprendendo a sobreviver num ambiente hostil, por exemplo, mas dificilmente um homem poderia desde pequeno sobreviver sozinho. Penso que seja impossível, pois desde o primeiro instante de vida o homem necessita do outro para viver, no caso da lactação, por exemplo. Não somos como alguns animais que instintivamente podem aprender a sobreviver. Uma criança nascida a poucas horas não poderia aprender a engatinhar para então se alimentar de insetos se fosse largada na mesma floresta do exemplo anterior. Morreria de fome. Logo, por mais que limitemos a interação entre as pessoas, ela ainda se faz necessária, ainda que minimamente. Portanto penso ser correto afirmar que o homem não pode viver só, dependendo do outro em algum momento de sua vida. 

Essa necessidade se expressa portanto na convivência, que dependendo de nós pode ser dolorosa como a dos ouriços que acabaram de se tocar ou como a dos ouriços que aprenderam a suportar a dor que o outro lhe causa em virtude de um interesse maior.

Se não podemos evitar a necessidade real que temos do outro, não podemos evitar ainda a dor que o outro nos causa. Mas em contrapartida podemos aprender a conviver com ela, e dessa forma não mais nos deixar ferir pelos espinhos que o outro tem.

Esse é, no entanto, um dilema ainda maior, pois a dor que um homem pode causar a outro homem é imensamente maior do que dos espinhos do ouriço. 

Ainda que não possamos evitar que o outro nos machuque, é certo que podemos controlar a intensidade com que o outro nos ferirá. Ora, o ouriço pode decidir se aproximar muito do outro, e em consequência se machucar muito também, ou apenas se aproximar o necessário para não morrer no frio do inverno. Podemos aprender a sofrer. 

As dores que o outro pode nos causar são de uma possibilidade infinita, isso também é certo, mas há ainda as dores que causamos a nós mesmos. Quanto as dores que o outro nos causa, já disse que podemos em certo nível controlá-las, controlando a proximidade que guardamos entre nós e o próximo. Mas as dores que causamos em nós mesmos, essas dificilmente conseguimos controlar.

Não raramente colocamos o outro num pedestal, muito acima das outras pessoas, e muito acima de nós mesmos. Acreditamos que aquela pessoa nunca irá nos decepcionar, que nunca irá nos trair ou abandonar, ou ainda que será sempre atenciosa, sempre carinhosa, e que nunca demonstrará nenhum defeito. Mas esquecemos, ou nos cegamos de tal modo que não podemos mais perceber a verdade, que o outro é na verdade igual a nós. É um animal igualmente cheio de espinhos, que também tenta sobreviver aos espinhos dos seus semelhantes, inclusive os nossos. Quando então em algum momento ela se move abruptamente, cravando fundo um espinho em nossa pela, percebemos que ela não estava num pedestal, e que na verdade ela é como nós. Essa percepção é a decepção, que poderia ter sido evitada por nós se não nos aproximássemos tanto ou se simplesmente não tivéssemos dado a ela tanto crédito, crédito esse que aliás ela nunca pediu, e que portanto nunca poderia corresponder. Uma decepção é portanto culpa de quem se decepcionou e não de quem cometeu o suposto erro.

Mas as decepções são também parte da vida, e voltando a nossa perspectiva desconstrucionista, faz parte dos elementos que compõem o homem, pois forma sua personalidade, que modifica sua forma de viver, transformando por consequência o mundo a nossa volta.

Um líder político devoto de sua esposa pode se enfurecer com a traição da mesma e perder a razão de seus atos, declarando guerra a um país inimigo por perder a paciência durante uma reunião diplomática, pois estava nervoso com sua esposa. Dessa forma, o mundo se transformou, por meio das muitas guerras que foram travadas e das vidas perdidas em consequência da traição da esposa. O homem não soube lidar com os espinhos da esposa e acabou com muitas outras vidas em virtude de sua fúria, o que poderia ter sido evitado se ele desde o começo não tivesse creditado a ela uma índole incorruptível, facilitando seu perdão, não se estressando na reunião e por consequência declarando guerra, apenas por estar no calor do momento.

Me demorei apenas em apenas uma das muitíssimas influências que o mundo impõe sobre nós, imagina discorrer sobre tudo o que pode mudar um homem... Tal trabalho não poderia ser feito por mãos, ou mente, humanas. No entanto aos poucos podemos ir tentando compreender as complexas relações que se colocam em meio a nós, e de pouquinho em pouquinho, ir acrescentando novas informações que possam nos ajudar a compreender melhor como e o que somos. 

Hoje entendi que somos formados, além de incontáveis outros elementos, pelas relações com o outro, relações essas que muitas vezes revelam-se dolorosas, cheias de espinhos, mas que ainda assim se fazem necessárias a nossa sobrevivência. 

O outro, eis um dos elementos que nos formam, que dentre muitos outros nos influencia. Quem sabe compreendendo a cada dia um novo elemento de nossa formação, poderemos compreender também melhor o que somos e como podemos melhorar, se é que está disponível para o homem a possibilidade de evoluir, partindo do pressuposto que a evolução requer um ponto final, um objetivo último onde evoluir não seja mais possível, coisa que discordo, pois penso que a habilidade do homem de mudar e de se renovar seja infindável.

O que mais forma o homem? Já falamos das relações com o outro, que através de seus espinhos endurecem nossa pele e nos tornam mais experientes, mas o que mais nos modifica? O que nos faz seres tão mutáveis, tão imprevisíveis, tão ilimitados? Quais os motivos que existem por detrás das nossas existências? Existimos para realizar algo que ainda não descobrimos do que se trata? Ou apenas não existe motivo e nem razão alguma para nada, sendo que somos apenas ouriços na palma da mão do destino, obrigados a suportar os espinhos uns dos outros para sempre? Será que existe um fim, uma razão real para a nossa existência? Ou será ainda que buscar essa razão seja a razão da nossa existência? 

Do que somos feitos? Apenas de carne e osso? Ou também somos feitos de cores, borboletas, amores e paixões? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário