quarta-feira, 22 de março de 2017

Seu garoto, Hank

"8 de dezembro de 1986

Olá, John:

Obrigado por essa carta de boa qualidade. Eu não acho que foi pesada, às vezes, é necessário para se lembrar de onde você veio. Você sabe dos lugares que eu frequentei. Mesmo as pessoas que tentam escrever sobre isso ou até fazer filmes sobre isso, não conseguem pegar a essência.

Eles chamam isso de “9 as 5”. Nunca é de 9 as 5, não existe um horário de almoço nesses lugares, na verdade, na maioria deles, para poder manter o seu trabalho, você não almoça. Então tem as horas extras e os livros nunca parecem entender as horas extras do jeito certo e se você reclamar sobre isso, existe outro otário para ocupar o seu lugar. Meu velho dizia “A escravidão nunca foi abolida, foi apenas estendida para incluir todas as cores.”

E o que dói é a mesquinharia humana daqueles que lutam para manter empregos que eles não querem, mas têm medo de uma alternativa pior. As pessoas simplesmente estão vazias. Elas são corpos covardes e mentes obedientes. A cor sai dos olhos. A voz se torna feia. E o corpo. O cabelo. As unhas. Os sapatos. Tudo está assim.

Como um jovem, eu poderia não acreditar que as pessoas dariam suas vidas por essas condições. Como um velho, eu ainda não posso acreditar. O que elas fazem em troca? Sexo? TV? Um carro pago em prestações mensais? Ou crianças? Crianças que vão fazer exatamente a mesma coisa que essas pessoas fizeram?

No início, quando eu muito novo e pulava de emprego em emprego, eu era bobo o bastante para, às vezes, falar para os meus colegas de trabalho: “Ei, o patrão pode vir aqui a qualquer momento e demitir todos nós, simples assim, vocês não perceberam isso?”

Eles apenas olhariam para mim. Eu estava colocando na cabeça deles algo que eles não queriam aceitar.

Hoje, nas indústrias, ocorrem muitas demissões (siderúrgicas acabaram, mudanças técnicas em outros fatores do local de trabalho). Eles são demitidos a todo instante e ficam com cara de atordoados:

“Eu perdi 35 anos aqui...”

“Isso não está certo...”

“Eu não sei o que fazer...”

Eles nunca pagam o suficiente aos escravos para que eles possam se libertar, apenas o suficiente para que eles possam permanecer vivos e voltar ao trabalho. Eu podia ver isso. Por que eles não? Eu percebi que os bancos do parque eram tão bons quanto e ser um cachaceiro era tão bom quanto. Por que não chegar lá antes que eles me colocassem ali? Por que esperar?

Eu escrevia com desgosto contra isso tudo, era um alívio tirar toda essa merda do meu sistema. E agora eu estou aqui, um suposto escritor profissional, depois de jogar os primeiros 50 anos fora, eu descobri que existem outros descontentamentos além do sistema.

Eu me lembro uma vez, trabalhando como empacotador numa empresa de iluminação, um dos empacotadores disse de repente: “Eu nunca vou ser livre!”

Um dos patrões estava se aproximando (seu nome era Morrie) e ele deixou escapar uma risada sarcástica, curtindo o fato de que esse companheiro estava fodido na vida.

Então, a sorte foi que eu finalmente consegui me livrar desses lugares, não importa quanto tempo tenha levado, isso me deu uma espécie de alegria, a alegre alegria de um milagre. Eu agora escrevo de uma mente velha e de um corpo velho, muito além do tempo em que a maioria dos homens nunca ao menos pensaria em continuar fazendo tal coisa, mas a partir do momento que eu comecei tão tarde, eu devia a mim mesmo o direito de continuar, e quando as palavras começavam a faltar, eu devo ser ajudado pelas escadarias e não poderia dizer mais nada, nem a um pássaro azul de um clipe de papel, eu continuo sentindo que algo dentro de mim vai lembrar (não importa quanto tempo eu já tenha partido) como eu sobrevivi ao assassinato, à bagunça e ao transtorno, para, pelo menos, poder morrer em paz.

Não ter desperdiçado completamente a vida parece ser uma realização digna, ao menos para mim.

Seu garoto,

Hank"

Charles Bukowski – ou Hank, para os íntimos – é conhecido como um dos melhores escritores americanos, mas você sabia que ele era um operário que tinha um grave problema alcoólico antes de se tornar um escritor famoso?

A vida de um bêbado parasita literário que ele criou é algo que foi experienciado por ele mesmo, em primeira mão, pelos muitos anos que ele gastou realizando trabalhos improvisados (bicos) e trabalhando para o Correio dos Estados Unidos. Ele descreve o trabalho como esmagador de alma, entorpecedor e qualquer outro adjetivo que você possa pensar para descrever um trabalho mundano, repetitivo e que paga apenas um salário mínimo. 

Não é uma surpresa que quando tinha quarente e nove anos, Bukowski tenha ficado muito grato quando o editor da Black Sparrow Press, John Martin, ofereceu a ele $100 por mês para trabalhar como escritor na condição que ele largasse o emprego no Correio e que Bukowski trabalhasse para ele em tempo integral.

Bukowski expressa sua gratidão a Martin numa carta que ele escreveu quinze anos mais tarde. Sua brutalmente honesta – e talvez um pouco exagerada – descrição de sua vida de 9 as 5 ainda é muito relevante, mesmo depois de trinta anos. Leia a carta abaixo na íntegra para entender a perspectiva de Bukowski. Talvez você se pegue reavaliando sua própria vida de trabalhador. 

Fonte: Bukology

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