quinta-feira, 2 de março de 2017

Júbilo e condenação

"Esforçamo-nos sempre para alcançar o proibido e desejamos o que nos é negado." 
(Ovídio)

Desde quando o homem começou a andar por sobre a terra ele tem como limite para o alcance de seus desejos um fruto proibido. No princípio, a arvore do fruto do conhecimento do bem e do mal, e hoje, o pecado. 

Há sempre um limite, um porém, um muro, uma lei, uma regra, algo que impede o homem de apenas se entregar aos seus desejos animalescos. 

Assim como o fruto proibido foi para Adão seu objeto de desejo e a causa de sua queda, todos nós temos algum limite que, se transpassado, pode significar nossa morte, ou nossa expulsão do jardim. Acontece que ainda hoje muitas coisas significam ainda nossa expulsão do mundo comum, amores que, por não serem compreendidos, são odiados e temidos como se fossem verdadeiras abominações. 

Esses limites são nossos frutos proibidos, cujo sabor não pode ser descrito aos nossos ouvidos por ser peculiar a cada homem. Mas certamente é de um sabor que quase transcende os limites do divino ao homem, justamente por se tratar do seu desejo proibido mais profundo. 

Desejo

É um instinto que nasce no coração do homem de algo que ele precisa ter para ser feliz. No entanto essa felicidade é efêmera, pois costuma findar com sua morte. Ou talvez não. Talvez nós é que tenhamos criado a concepção de que algo proibido certamente vai nos matar, talvez a morte não seja tão ruim assim e venha apenas porque sabe que nada poderia ser para o homem mais prazeroso do que aquilo, logo, ele pode morrer após comer tal fruto, pois não há mais sentido em viver depois dele.

Assim também é com o homem que prova do fruto proibido? Ou ele se tornará tão viciado naquele sabor único que passará a desejar sempre mais e mais, sem nunca ficar completamente satisfeito e morrendo portanto de desejo por mais daquele fruto?

Talvez os limites existam então para evitar que o homem entregue-se a própria morte de bom grado. Dessa forma ele poderia experimentar de outros tantos sabores sem morrer, e ainda ser feliz. O que será melhor então: provar do fruto e morrer, ou viver sem nunca saber do seu sabor? Alguns veem no fruto proibido então causa de queda e condenação. Outros o consideram causa de alegria e júbilo.

O homem deseja do fundo de sua alma comer daquele fruto, mas não não só os homens são por ele atraídos. Também os anjos encontram na desobediência sua perdição, em busca daquele sabor tão misterioso. Justamente porque em sua natureza a obediência está impressa com letras de fogo, mas ao mesmo tempo, existe neles a vontade de sobre ela lançar a fria água do prazer, que acorda os sentidos e desperta do sono da comodidade... Também eles encontram no fruto proibido seu fim, sua morte, sua perdição, sua condenação. Essa é a semelhança entre anjos e homens, embora um seja de natureza humana e o outro de natureza divina, partilham a queda pelo proibido.

Qual o meu fruto proibido? 

O desejo do amor, de ser amado por quem não me ama, de poder amar livremente sem que os outros julguem meu amor! Meu amor não deve ser julgado, ele não pode ser julgado, pois o meu amor é só meu, e sendo assim, todos os conceitos e adjetivos postos a ele devem partir única e exclusivamente de mim, e do meu amado.

O meu fruto proibido é o desejo daquele beijo, daquele toque, daquele sorriso, daquele abraço, daquele carinho, daquela companhia. 

O meu fruto proibido não pode no entanto ser tocado, nem visto, pois muito embora ele venha do meu amado, ele não está na sua forma corpórea, tangível, mas habita na parte mais etérea do seu coração, deve ser então sentido, e é apenas sentindo seu amor, seu sabor, é que eu poderia dizer que de fato, provei do fruto que me era proibido, fruto esse que, tanto para os anjos quanto para os homens, é causa de júbilo e condenação.

É essa a estranha dicotomia do fruto proibido:

Desejo e mistério. Alegria e júbilo. Queda e condenação.

Alegria e desejo. Júbilo e mistério. Queda e alegria.

Júbilo e condenação.

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