segunda-feira, 2 de abril de 2018

Ícarus

Como o sol nasce da aurora eu sinto um novo amanhecer nascendo dentro de mim. É como ficar sentado na calçada num dia claro, o calor vai aos poucos se espalhando pelos braços e pernas e, ao chegar no coração, alcança todo o corpo. 

Esse sentimento quente, agradável, que vai acariciando o meu ser, aos poucos toma conta de mim, e me faz esquecer da frialdade inorgânica do aço que um dia atravessou o meu coração num golpe certeiro dado pelo meu grande amor. 

Esse calor delicado, que como as bolhas do mar lambem as pernas das crianças num carinho, faz com que me sinta bem, amado, querido, e faz com que eu deseje voar para o céu azul, para mais perto do sol. E como Ícaro, esse é um sonho perigoso que se revela num desejo aparentemente inocente. 

Mas não há como fugir do calor do sol, ele continuará brilhando e aquecendo o meu coração, e inevitavelmente eu passarei a desejar mais e mais calor, até que voando muito perto do grande astro serei queimado pelas suas chamas. O sentimento que agora nasce no meu peito é esse sol, assim como a pessoa que o desperta, é também um sol. Ambos igualmente agradáveis, carinhosos, e tão perigosos quanto o mesmo sol.

Isso acontece porque, nas noites frias, eu desejo o doce calor do sol. E porque quando olho pra lua e, me recordo de noites e noites de desencantos, fico a desejar a claridade invencível de um astro rei, que impere categoricamente minha vida sem sentido.

Não sou como Ícaro, no entanto, que se aproximou inocentemente do sol, mas sei bem que não posso voar muito alto sem me queimar. É uma dicotomia patética, a do meu pensamento, desejar, na segurança do frio, o calor mortal, na doce ilusão de que ele me fará sentir melhor do que a frialdade da solidão em que existo.

Percebo que o calor do sol é para mim o calor dos abraços que desejo ao meu redor, que me façam sentir a segurança de uma vida de amores, e não a deriva de uma busca incansável pelo afeto do outro. É estranhamente patético ter sempre um discurso pronto sobre como é importante valorizar o que vem de dentro para meus amigos e ser incapaz de viver sem desejar o outro...

Me sinto o pior dos hipócritas, sempre ajudando o outro a não precisar do outro, mas sempre necessitando do outro para absolutamente tudo o que faço. E o pior de tudo: sempre a desejar o outro que nunca conseguirá ser capaz de corresponder ao que espero e preciso dele. Por isso acredito ser portador de um intelecto imensuravelmente inferior ao de todos, já que saboto a mim mesmo de tal forma que uma pessoa inteligente, ou nem ao menos normal, poderia fazer.

Mas o deslumbre do sol ainda é maior do que o resto de razoabilidade que, deveria, haver em mim, e por mais que saiba que serei lançado ao mar do desespero por essa escolha, ainda é de minha vontade voar em direção ao sol que derreterá as asas dos meus mais torpes desejos... 

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