Há uma dualidade quase irremediável no homem. Uma batalha entre dois exércitos travada no campo de seu coração. Dentro do homem duas vontades distintas digladiam-se pelo poder do todo.
De um lado há a vontade movida pelas paixões. São aqueles impulsos mais bestiais e primitivos que há em cada um de nós. Isso porque em cada coração habita uma vontade natural, que nos faz tender a saciar das formas mais vorazes os instintos que nos apresentam sem que saibamos de onde venham.
De outro lado há a vontade racional, aquela advinda das reflexões, das reais necessidades. São as decisões que conscientemente tomamos, e os objetivos que traçamos com base nessas mesmas reflexões.
É um consenso tomar as duas vontades de uma forma quase maniqueísta, apenas dualista. Como se uma fosse boa e a outra ruim.
Aqueles que se deixam levar apenas pela vontade das paixões costumeiramente se dizem felizes por não serem limitados pelas barreiras impostas pelo racionalismo. Já os racionais tendem a tachar os outros de bestiais e animalescos, pelo mesmo motivo.
Penso que não há como separar uma da outra. O humano é um ser integral, e não tomado apenas pelas paixões e nem tampouco pela razão. Não penso ser possível reduzir-se tal ao nível bestial que nada de racional reste, e nem tampouco ser tão racional que nada de apaixonado possa surgir daí.
Não há apenas o preto e o branco, o bom e o mau, mas o mundo em que vivemos é vivido em tons de cinza. Somos uma mescla de ambos, e as vezes um lado se sobressai ao outro, obviamente, mas creio que a única forma de se viver de fato, sem cair no extremo da alienação ou da bestialidade, seja aprender a conviver com ambos os apetites.
O primeiro é natural, e não pode ser suprimido. O segundo deve ser usado para melhor julgar o primeiro e assim evitar que ambos se anulem e caiamos na desgraça da cegueira. Seja ela apaixonada ou intelectual.
A cegueira apaixonada é bestial, animalesca. Aqueles que se deixam levar por elas não tem mais controle sobre si, e perdem o direito de escolha para os instintos, que passam a tomar as decisões em lugar da razão. A cegueira intelectual, que assim a chamo por falta de palavra melhor, tem o peso de uma grossa corrente, não podendo tampouco oferecer outro destino ao homem que não seja o da infelicidade. Ambos conduzem a infelicidade, mas o primeiro ainda consegue mascará-la com os muitos prazeres, mas sempre termina na mesma infelicidade, no mesmo vazio.
Não é o homem uma criatura em constante busca de preencher um vazio que o assusta desde o primeiro pensamento? Essa vazio é o vácuo deixado pela anteposição de ambas as vontades, que se anulam como polos magnéticos invertidos. Quando, no entanto, uma completa a outra, o homem encontra a paz de espírito necessária para então conseguir buscar algo que possa satisfazer o seu vazio.
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