sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Antologia

Nossa história começa alguns anos atrás, numa Missa, em que te vi pela primeira vez. Não pude deixar de me encantar com seus olhos lindos, seu rosto sério, seu corpo perfeito escondido embaixo da túnica preta e da sobrepeliz. Poucos dias se passaram até que começamos a conversar, apenas em um grupo do WhatsApp, quase sempre indiretamente.

Ainda me lembro de quando marcamos de nos ver pela primeira vez, a timidez combinada com a já conhecida intimidade de quem conversava bobagens o tempo inteiro. 

Naquela época eu ficara encantado, mas minha cabeça estava concentrada em outras coisas, outras pessoas, e eu tinha colocado uma regra para mim mesmo: que não iria me apaixonar por outro amigo hétero, nunca mais. 

Não preciso dizer que falhei miseravelmente, mas devo acrescentar que por um tempo, muito tempo, eu consegui manter minha palavra. O via como um colega, um conhecido, excepcionalmente lindo, é verdade, mas apenas isso. 

Os anos passaram, nosso contato não aumentou até que um dia começamos a conversar a sós. Você estava machucado, precisava falar e eu me disponibilizei a ouvir. E assim passamos de colegas a amigos. 

Passamos a conversar todos os dias, por várias e várias horas. Íamos dormir tarde da noite refletindo juntos sobre as desgraças da vida, sobre amores impossíveis, sobre pessoas que se foram e nos deixaram.

O homem que antes era para mim a imagem da perfeição se mostrou frágil, humano e mortalmente ferido. Quanto mais nos abríamos um com o outro, mais estreitávamos os laços de amizade que aos poucos foram enforcando a promessa que tinha feito. 

Nossa amizade se tornou uma coisa bela. Uma rosa perfumada que cresceu no meio do pântano. Cumplicidade, confiança, esperança. Era o que tínhamos pra partilhar um com outro, e aos poucos o meu amor foi nascendo, timidamente, também como uma flor, que vai lentamente crescendo até desabrochar completamente.

Eu via o que estava acontecendo, mas quando me dei conta do perigo do sentimento que crescia, já era tarde demais. Ele já espalhara suas raízes em meu peito e já dominava completamente o meu ser.

Chegamos no ponto mais alto de nossa amizade quando, naquela noite de 13 de maio, você chorou copiosamente no meu ombro, se derramando completamente por aquela que amava. Ali eu vi seu lado mais secreto, que você não havia mostrado para mais ninguém. Ali eu vi que tínhamos uma ligação única. Você me beijou no rosto, como gesto de agradecimento e eu fui embora, com aquele momento profundamente marcado no meu peito. Como poderia alguém tão perfeito sofrer por outro alguém? 

E então eu passei a querer fazer você feliz. Passei a desejar do fundo do meu ser fazer você sorrir de verdade. E acho que foi aí que as coisas começaram a dar errado.

Trouxe você para mais perto de mim. Te apresentei os meus amigos, a minha família, e as pessoas que me cercavam. Você sorria mais, e a vida voltava lentamente ao seu olhar. As crises iam diminuindo, e você ia ganhando mais força, ao passo que eu ia me tornando mais dependente de você. 

E então aconteceu. Sem que eu pudesse perceber o amor bateu novamente a sua porta. Floresceu sem que você percebesse. E aquilo foi o início da minha morte, pois senti que eu apenas o entregava a ela, depois de tanto ter lutado para fazê-lo feliz.

Isso nos afastou. Você a colocou no meu lugar. Eu protestei e você a escolheu. E quando percebeu que eu não aceitar de bom grado, me declarou como traidor de sua confiança. A nossa flor murchou, embora meu amor só tivesse aumentado durante todo esse tempo, inclusive com a perspectiva de sua partida.

Ela não se foi, mas outras pessoas chegaram, e todas ocuparam o lugar que antes era só meu. Agora era tarefa de muitos fazer você sorrir, fazer você feliz.

Eu fui lançado a obscuridade. Um posto de honra me foi dado em consideração ao que fiz, mas não mais ocupava o mesmo lugar de seu coração. E essa obscuridade foi tomando conta do meu coração. 

As raízes de meu amor foram se tornando maiores e mais fortes, mas não mais nutriam, senão que me apertavam, me sufocavam, me faziam crer que ia morrer de tanto amor. 

E elas não cederam. Ainda me apertam, me sufocam. Não há um só dia que não pense em você. Não há uma só hora em que não me lembre de você. Não há um só momento em que não queira estar com você. 

Você se tornou o meu sonho mais doce. Mas a distância fez esse sonho se transformar num perigoso pesadelo. O medo de perder é agora tão real quanto o medo de não ter você como desejo. O desejo se tornou necessidade, a necessidade se tornou obsessão. 

Fui dominado não pelo amor, mas pelo demônio que me faz desejar aquilo que nunca poderei ter, e sofrer pela verdade da vida que me é lançada sobre a face em cada manhã. Você nunca vai me amar, e isso é tão certo quanto dizer que o sol vai ser pôr ou que o céu continuará sendo azul. 

As rosas se multiplicaram, se tornaram uma praga, me sufocam com seu perfume venenoso. Você, que antes me fazia sorrir e ser feliz agora me deixa desesperado, ansioso, por saber que um dia ainda serei lançado nos braços da morte por conta desse amor doentio. 

O meu amor por você me faz desejar a morte. A desesperança me faz desejar deixar de existir, para não mais sentir dor. Eu tentei fazer você feliz, e acredito que consegui, pois hoje o vejo mais realizado do que quando estava chorando em meu ombro, me apertando contra seu peito, mas eu é que me tornei destruído, pois me dediquei a alguém que nunca poderia entender o meu amor.

E agora, o que eu faço com esse amor? Não tenho a quem entregar, e se ficar comigo, morrerei envenenado. Deveria lança-lo ao mar, para ser levado pelas águas para qualquer lugar? Ou deveria me lançar ao mar, para não mais amar? 

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