quarta-feira, 10 de outubro de 2018

De amigos

Me sentia absolutamente vazio. Não sabia o que mais pensar, não sabia sequer o que tinha de fazer. Tudo o que eu fazia era responder aos estímulos daqueles ao meu redor, como uma boneca de trapos nas mãos de sua criança. 

Já não haviam mais lágrimas, embora vez ou outra sentisse a vontade de chorar. O remédio que tomei no desespero da noite anterior ainda fazia efeito, o que me deixava numa letargia, mergulhado num oceano de névoa que me suprimia os sentidos. Não havia brilho em meus olhos, e nem mesmo eu reconhecia minha voz. 

As linhas finas dos cortes no meu braço começaram a secar. As gotas de sangue enegrecido racharam e se transformaram em lascas, que caíram no banho. Não senti nenhuma dor. 

Aos poucos, como o sol lentamente vai nascendo no horizonte, eu vou recobrando a vida, se é que algum dia eu a tive. Admito que sair um pouco, fazer compras, me animou. Comprei cosméticos, algumas roupas indianas que já há algum tempo tinha olhado, comprei estantes de partituras para usar na igreja, comprei o lip tint que há tanto procurava. Isso me animou um pouco, ou pelo menos me fez sorrir de verdade. 

Tive uma surpresa muito agradável a noite. Realmente não achei que fosse ser possível que algo assim acontecesse. 

Estava deitado, no escuro e no silêncio. Contemplando os abismos de minhas própria desgraça quando ouvi vozes, muitas delas. E de repente o silêncio sepulcral e escuro foi substituído pela clareza das risadas de meus amigos, que vieram ao meu encontro. 

Não posso descrever como me senti feliz por ver que todos eles tinham saído de suas casas e se reunido para vir aqui, me tirar da lama. 

Eles se sentaram ao meu redor, conversamos, sorrimos muito, brincamos. Eu esqueci completamente o vazio que me consumia e só me concentrei em sorrir.

Ainda que o demônio do vazio me rondasse, ele não me possuiu, pois estava cercado, protegido. 

Foi uma centelha de esperança, descobrir que sou especial para tantas pessoas. Foi uma grande surpresa, que me aqueceu o coração que já estava frio e prestes a parar de bater. 

Não posso escrever o quanto sou grato a eles por isso. Não sou capaz de dizê-lo, não há vocabulário suficiente. Mas eu sou grato, do fundo do meu coração, grato com as forças que ainda me restam, grato por não terem me deixado penar sozinho até a morte. 

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