sábado, 27 de outubro de 2018

Trovoadas

Os trovões ressoam pelos ares, como os tímpanos de uma orquestra grandiosa. Sempre gostei do som dos trovões, bem como dos tímpanos. Acho que tenho uma certa preferência por tudo aquilo que soa poderoso, transcendente. 

Quem dentre os homens pode ficar indiferente ante o som de um trovão? Ele estremece até mesmo as rochas mais duras, e o homem está longe de ser uma das coisas mais firmes do mundo. 

Não há, tampouco, como alcançar a grandeza sublime desse som que se espalha sobre toda a terra, e que todos os homens do mundo podem ouvir. Nos compassos da natureza o céu consegue trazer as sonatas mais poderosas a nós, pequenos ouvintes. 

O que podemos fazer diante dessa grandeza senão tremer e nos recolhermos a impassibilidade de nossa modesta existência? O céu nos torna conscientes de nossa posição no universo. O peso da terra sob nossos pés, a força dos ventos que tocam nossa pele, tudo é prova de um algo muito maior. 

Algo maior do que nossa extrema pequenez, que no entanto ainda significa tudo para nós. Não há homem que, mesmo diante do universo, possa ignorar sua existência e viver sem amor.

O amor, diz Ortega é o imprescindível; quer dizer, quando amamos algo, pensamos não poder prescindir disso, não podemos admitir uma vida em que nós existimos e o amado não; consideramo-lo, em suma, como parte de nós mesmos. Ou, quase com as mesmas palavras: meu ser não sou só eu, mas eu o amado, eu e o imprescindível. (Julian Marías)

E eis que então atrevo-me a comparar o amor ao trovão. O som do amor não pode ser abafado, faz estremecer até o homem que se julgue mais firme. O amor não pode ser ignorado e faz-se ouvir até nos cantos mais remotos do coração. A diferença é que, logo quando passa a trovoada, nos esquecemos dela, ao passo que o amor deixa uma marca, marca esta que as vezes nunca desaparece, por isso diz-se que o amor é imprescindível, pois torna o amado uma verdadeira necessidade para o amante. 

E voltando minha breve reflexão para o céu, que agora contemplo da janela do meu quarto, vejo o quanto ele se torna cinza para se fazer ouvir o trovão. Também o amor, para mim, tornou-se cinza, para fazer me estremecer antes os anúncios tenebrosos da tempestade. O amor é então essa força que faz-se ouvir, que faz estremecer, que empalidece o céu e entristece o horizonte, mas que não pode ser alcançado, senão que apenas pode ser sentido, quando faz-se trovoar por aí... 

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