domingo, 5 de julho de 2020

Aqui

Ninguém sabe quem eu sou de verdade, e eu sempre me senti assim. Sei como deve parecer clichê começar um texto desse jeito mas, desde que me lembro é assim. Eu vejo as pessoas ao meu redor, até as mais próximas, e percebo que elas nunca conseguiram ver quem sou de verdade.

Tudo o que eles conseguem ver é uma casca, uma miragem, uma mera ilusão daquilo que sou de verdade. Uma pequena fração que se mostra ao mundo e se revela sob o sol, senão que todo o resto está escondido na escuridão do meu próprio peito. Mas está lá, em algum lugar. 

Ninguém sabe quem eu sou de verdade, e talvez eles só não entendam. É que eu sinto que ninguém nunca tentou ver quem eu sou de verdade, ninguém nunca tentou entrar naquele lugar secreto, ninguém nunca via aquilo que se escondia mas que, ainda assim, estava ali do mesmo modo. Todos só conseguem ver aquilo que eles querem. Desejam apenas imprimir em mim o que há no seu interior, me colocam como um reflexo, uma projeção dos seus desejos, apenas isso. Apenas conseguem ver o que o Gabriel consegue ser e fazer POR eles, e não quem é o Gabriel de verdade.

E percebo o quanto o mistério encanta as pessoas, o quanto elas gostam de se aventurar pelo desconhecido e mergulhar em águas distantes, apenas para ter o prazer de gravar os seus pés nas areias inexploradas das praias. Mas quando se trata de mim a coisa é completamente diferente. Eu não desperto nos homens curiosidade, apenas distância e indiferença. E é por isso que eu me sinto tão próximo e tão distante de todos, próximo fisicamente mas tão distante quanto o sol está das criaturas. Me sinto ali sem realmente estar. 

Sinto que ninguém consegue me ver mesmo estando bem de frente a todos, ao alcance de suas mãos. Sinto que o amo mas o meu amor não foi reconhecido neste mundo. Sinto que não há lugar para mim entre os homens. Sinto que não exílio para mim neste mundo. Sinto que o que chamam de amor não existe. Sinto que o meu destino é morrer sozinho, por entre garrafas de bebidas e caixas de remédios para dormir, tentando a todo custo fugir da terrível dor que é saber que estou vivo sem que ninguém entenda quem sou, sem que ninguém aceite esse meu amor. 

Ninguém sabe quem eu sou de verdade, e talvez eles só não dão à mínima. Por isso eu já nem faço mais questão. De estar aqui ou de estar acompanhado. Não faço questão porque não faz diferença, se estou na companhia de um ou dez, é a mesma coisa, ninguém consegue ver quem eu sou, e se todos só conseguem ver o que querem ver, não há necessidade de minha presença. Não há porque continuar aqui se, mesmo estando, ninguém vê que eu estou aqui. 

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