domingo, 19 de julho de 2020

Esperando uma mensagem

E todos os dias ao acordar eu pego o celular na esperança de que tenha recebido aquela tão aguardada mensagem.  E ela nunca chega. Às vezes quero mergulhar num diálogo, e até cobro se não recebo na mesma intensidade, e tem dia que só quero o silêncio. Por que sou assim?

Isso que sinto não é esperança, não, não pode ser uma virtude senão que é quase uma alucinação. Pessoas próximas da morte ou que sofrem de intenso sofrimento podem ter alucinações. E acredito que todos os dias pensar que algo pode aparecer na tela e mudar tudo é uma delas. O que eu espero? Um convite para ir pro Digimundo? Uma declaração de amor? O desbloqueio de tela só mostra que, além de nada disso existir só há para mim o caos em que o mundo está mergulhado. O dia da ira que já dura anos sem fim.

E então, durante a tarde, eu me encho de remédio e volto a dormir. Mesmo acordando algumas vezes eu me obrigo a adormecer novamente, até que chegue a noite e eu perceba que o dia se foi, e que logo eu vou dormir de novo. Isso porque é mais cômodo viver nesse mundo onírico onde não vejo, não sinto, a realidade só meu redor. Quando menos tempo acordado, menos consciente do quanto eu não consigo entender esse mundo e do quanto não consigo me aproximar de ninguém verdadeiramente. Quanto mais durmo mais tempo posso ficar longe de tudo, mais posso me refugiar da solidão, do abandono.

Não quero ver, não quero viver. 

Porque eu quero morrer.  
Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada. 
Mas eu não posso.  
Ele não vai me deixar voltar a inexistência. 
Ainda não. Eu ainda existo porque ele precisa de mim. 
Mas quando tudo acabar, 
quando eu não tiver mais utilidade, 
ele vai me abandonar.
 Eu rezei pelo dia em que ele me abandonaria.*

Todos me procuram pedindo algo e, quando percebem que eu não sou mais o que era antes, quando percebem que eu sou apenas um arremedo de ser humano, alguém que vaga sem razão e sem objetivo, alguém que já não serve para mais nada, eles vão embora. É sempre assim. 

Mas eu não, eu já sei que não valho nada, que minha morte não faria volta, que meu fim seria, pelo contrário, até desejável pois eu deixaria de ser um peso para os outros. E eu odeio ser um peso. Odeio ser um incômodo. Odeio obrigar os outros a conversarem comigo, odeio que se sintam na obrigação de assistir o que eu assisto ou ouvir as minhas músicas, porque eu sei bem que vivo num mundo só meu e que os outros não podem ver o que eu vejo, assim como eu não consigo ver o mesmo mundo que eles. Não consigo sentir a alegria e as estupefação das coisas simplórias, pequenas, não consigo me contentar com as perspectivas sub-humanas que têm para suas vidas. 

Como seria se vivêssemos sem essas separações, sem esses muros que nos separam uns dos outros, sem as vergonhas, sem as mentiras que contamos, sem as coisas que escondemos? Como seria se nossas almas se afobassem para preencher o vazio que há no âmago do coração do homem? Essa é a única existência possível. Perder para ganhar. Abrir mão do eu individual para ser apenas um, um todo. Sem medos, sem sonhos, a plenitude da realização humana, todos fundidos num só, como fogo que converte tudo em fogo. Um mundo vazio, mas repleto ao mesmo tempo. Todos mergulhados naquela sopa primordial da vida, completos. Um mundo sem estranhamentos, sem precisarmos reconhecer os outros que existem dentro de nós, sem precisar conviver com aqueles que nos machucam justamente porque vivem fora de nós. Um mundo sem ninguém, com um único eu, uma única fera gritando EU no coração do mundo.  Seríamos deuses! 

Como isso é patético não é? Um humano querendo ser um deus. Uma cobra que rasteja pelo chão só pode sonhar em voar pelo céu. 

Tudo que eu queria era preencher o vazio, voltar aquele útero primitivo, ainda que para isso precisasse esmagar a minha mente com a de milhões de pessoas. Tudo o que eu queria era olhar para a tela e ver aquela mensagem que pode mudar tudo. Tudo o que eu queria era que algo me arrancasse desse torpor. Tudo o que eu queria era conseguir enxergar a luz que todos parecem ver, ou que pelo menos dizem que vêm. Tudo que eu queria era sentir calor humano, e não me sentir absolutamente sozinho nesse mundo. Queria ter uma razão para viver, ser verdadeiramente alguém, importante, insubstituível.

Por outro lado eu não queria ser assim, não queria desejar alguém, não queria desejar ter alguém, não queria ter sonhos. Queria não precisar de nenhuma dessas coisas. Queria conseguir ser apenas eu, sem uma multidão dentro do meu coração implorando por cada uma dessas patifarias. Pra dizer a verdade eu já nem sei o que eu queria, eu só sei que eu queria que as coisas fossem diferentes...

~
 
*Trecho do penúltimo episódio de NEON GENESIS EVANGELION - O Fim do Mundo - Você me ama?

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