sábado, 4 de julho de 2020

Como um tesouro

Me sinto, frequentemente, culpado pelas minhas mudanças constantes de humor. Eu sei o quanto isso afeta o interesse que muitos têm de mim. Eu sou inconstante, imaturo. Posso estar animado para fazer algo e, no minuto seguinte estar absolutamente sem graça, e isso acontece sem motivo aparente.

É difícil explicar para as pessoas como é ser bipolar, mas basicamente é fluir, de um humor a outro, em pouco tempo. Eu costumeiramente me sinto no espectro depressivo, tomado pelo pessimismo e falta de ânimo, o humor absolutamente deprimido. Me torno apático e desinteressado, o que pode ser interpretado como sendo uma vontade de abandonar os amigos, sendo que é justamente o contrário. A tendência ao isolamento se dá por conta da incapacidade de equilibrar tudo isso com a convivência social, daí também resulta o pânico social. 

Em outros momentos, antecedendo a crise contrária, eu e sinto animado e disposto, risonho. Eu fico mais leve, disposto, sensível as inspirações que me fazem escrever. É geralmente quando eu me empolgo a falar muito de algo que eu goste, enviar vários videos, mandar longos textos explicando algo. Mas geralmente isso é seguido por graves crises de ansiedade, as quais costumam me abalar tanto quanto a primeira. 

Fico então fluindo, entre esses dois espectros: a depressão e a mania. Cada um me dominando a sua maneira. Como resultado isso desgasta aqueles que convivem comigo. "Nunca saberemos se ele está bem", "melhor deixar ele quieto", "nossa presença vai só atrapalhar" e tantos outros pensamentos que eu sei que meus amigos sentem ao me ver surtando sem nenhum motivo. 

E esse é outro ponto. Nem sempre é necessário que aconteça alguma coisa para que eu tenha que mudar de um espectro a outro. Os fatores são os mais diversos. Cansaço físico pode afetar, decepções, conversas que tomam um rumo infeliz, enfim, é impossível prever. Queria apenas que entendessem que isso não deve ser motivo para que decidam me deixar. Haverão dias eu que eu realmente não vou querer falar com ninguém, preferindo ficar dormindo o dia inteiro sem ser incomodado, como é o caso de hoje. E, noutros, eu vou precisar de companhia, distração, que possa me afastar dos fantasmas interiores que me assombram. 

E, o mais importante, o fato de eu não querer receber visitas em alguns dias, ou de não estar disposto a conversar sobre qualquer coisa durante a madrugada se deve a quantidade de pensamentos na minha cabeça, que me tornam incapazes de acrescentar outros temas. É incapacidade. Eu não consigo pensar numa flor delicada no campo enquanto me encontro em meio as águas revoltas de uma tempestade, navegando sozinho em alto mar. Isso não quer dizer que não amo e que não prezo, como expressão máxima da minha humanidade, o que eu sinto pelos meus amigos, a gratidão que sinto por cada um deles. Ainda que sejam poucos foram os que ficaram comigo, e a isso eu nunca, por mais que tente, poderei pagar. Amo aos meus amigos, com todas as minhas forças. 

Um outro ponto que gostaria de desenvolver, a partir dessa reflexão, é o dos valores inerentes a amizade e, consequentemente ao amor.  Antes de mais nada, penso nessas duas coisas como faces distintas de um mesmo fenômeno. Ambos, amor e amizade, o primeiro no sentido romântico, erótico, e o segundo no sentido de companheirismo, de sinceridade de alma na busca de objetivos em comum. 

Essa minha crença parte do ensinamento platônico de que o amor (diga-se, verdadeiro) só é possível entre os iguais, por exemplo, dois homens que busquem sinceramente a verdade são capazes de compreender-se e viverem juntos. 

Outro que desenvolveu esse pensamento foi S. Tomás de Aquino, que definiu a amizade como sendo "querer as mesmas coisas e rejeitar as mesmas coisas." Somente essa expressão é mais do que suficiente para mostrar o quão complexa ela é, talvez quase impossível. Mas é nela que eu creio que possa haver verdadeira amizade e verdadeiro amor. 

Como poderiam ser amigos pessoas que discordam nas suas convicções mais profundas? Como posso eu, um amante da Igreja, ser amigo de alguém que tem pela mesma a consideração de que essa é um dos grandes males da humanidade? Não seria possível. Tenho embarcado numa busca, por pessoas que compartilhem do mesmo ideal, até agora sem sucesso. 

Meus amigos atuais, no entanto, se encaixam sob certos aspectos num sentido não tão profundo, mas daquele que é movido pela busca da boa companhia, daquela amizade sem julgamentos, sem desentendimentos profundos, da amizade que busca bons momentos para serem guardados com carinho no coração em épocas tão difíceis quanto essas, onde a sinceridade de coração pareceu dar lugar a um teatro de marionetes. 

Mas eu também busco aquela diversidade do amor, bem como busco a plenitude do amor. Vou explicar melhor: Temos, em primeiro lugar, o Ágape, a afinidade de ideias espirituais, o amor desinteressado, incondicional. Eros, atração física e desejo e, por fim, Philos, afinidade mental e cultural, dedicação, fidelidade, igualdade. Esses três se encontram em igualdade, não havendo um melhor do que o outro, apenas formas distintas. Mas existe uma forma de amor que é sim maior do que cada um deles. O Amor, que é junção dos três. A afinidade mental e cultura, a atração e o desejo e, por fim, a afinidade espiritual. 

Minhas amizades estão no âmbito de Philos, a afinidade mental e cultural. Pensamos mais ou menos da mesma forma, frequentamos os mesmos lugares e escutamos as mesmas músicas. Conhecemos os gostos uns dos outros. Como disse que não há gradação entre esses três, essa minha amizade é sincera  e e verdadeira. E como eu os amo! 

Mas não posso mentir e dizer que não busco a completude, aquela amizade, aquele amor, que consiga unir num-só coração, os aspectos das três definições. Eros é o tipo de amor mais perigoso dos três, pois se não vivido de forma equilibrada com Ágape e Philos pode trazer muita dor. E por isso eu sei que muitas sou interpretado de maneira incorreta quanto a isso. Como se não me interessasse pela forma como sou tratado ou aparentemente interessado em todos, no sentido romântico do termo. Isso é consequência dessa minha busca. Na noite escura eu busco aquele por quem minh'alma clama, no meu jardim fechado fará sua morada, sob copa de palmeiras descansaremos nossas cabeças, e dos cedros o leque nos refrescará, e da ameia a brisa amena, quando eu os seus cabelos afagar, ali ficaremos, esquecidos, por entre as açucenas olvidados. 

Isso porque minha busca continua. Eu não diminuo os meus amigos, são os melhores que alguém poderia ter. Minha busca é, no entanto, pela máxima realização. Sem deixar de lado aqueles que estão comigo e, principalmente sem permitir que pensem que eu não os tenho em máxima consideração. São eles, sem sombra de dúvidas, o que tenho de mais precioso na vida. Mas essa amizade, por mais perfeita que seja, não abarca os três aspectos do meu objetivo. Essa amizade, a mais deliciosa de todas, ainda não é o que meu espírito anseia no mais profundo de minh'alma. 

Minha busca continua, mas de nenhuma maneira eu vou rebaixar os que tenho comigo, ainda são e sempre serão a coisa mais valiosa para mim. Preciosos como um tesouro, o meu tesouro! Minha El Dorado. Por fim eu só espero, de coração, que entendam, que eu o amos incondicionalmente, mas que ainda assim busco por um sentido último da minha existência, por uma razão para viver. 

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