sexta-feira, 17 de julho de 2020

Desde o berço

É uma sexta vazia, como tantas outras desde que essa maldita quarentena começou. Não, isso não tá certo. Já estava assim bem antes de começar. O vazio vem comigo desde o berço. Não me lembro de uma época em que não o sentia, só me lembro de conseguir ignorá-lo melhor. 

Existe um vazio bem no âmago de nossas almas. Uma imperfeição fundamental que tem assombrado todos os seres desde o primeiro pensamento. Em um nível primitivo, o homem sempre esteve ciente da escuridão que mora no núcleo de sua mente. Temos procurado escapar desse vazio e do temor que ele provoca, e o homem procura preencher esse vazio. 

Volto para dentro de mim então, nessa noite fria e seca, procurando inspiração para dizer algumas poucas linhas que sejam, que fossem como aquelas palavras que outrora fizeram outros se emocionar. Mas não há nada, mergulhando para dentro de mim eu apenas caio em queda livre num imenso vazio, num grande nada. 

Não há mais planos pro futuro, não há mais filmes a serem vistos ou séries a esperar, não há amores a suspirar, não há mais nada além da noite escura e fria do deserto. 

Porque eu quero morrer.  Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada. Mas eu não posso.  Ele não vai me deixar voltar a inexistência. Ainda não. Eu ainda existo porque ele precisa de mim. Mas quando tudo acabar, quando eu não tiver mais utilidade, ele vai me abandonar.

Que outro refúgio tenho além das longas horas de sono? E eu, pobre, que farei, que patrono invocarei quando tudo me parece perdido? Que razão há para ficar acordado se os momentos de vigília apenas me deixam entediado e cansado da existência humana, tão limitada e pobre em suas própria misérias? A visão do homem cansa, e tudo o que vejo ao me redor é absoluta decadência, estética, moral, intelectual e em qualquer outra área possível. Decadência. Como uma grande cidade abandonada, com seus prédios a serem consumidos pelas intempéries, rodeado por arbustos e servindo de abrigo aos animais, com a areia dos desertos invadindo tudo. Assim é o homem, invadido pela depressão, incapaz de brilhar como fora um dia antes. 

- Só porque odeia a si mesma não há motivo pra ficar triste depois. Punir a si mesma é simplesmente uma trapaça, só pra fazer com que se sinta melhor por pouco tempo. Não faça isso com você. 

- E agora vai dizer pra eu me cuidar? Os homens sempre fazem isso. Eles fogem pros seus trabalhos, seu próprio mundo. Me deixando pra trás. Eles sempre me deixam pra trás.

- Sempre, como fez o nosso pai.

- Eles sempre fogem das cruéis realidades. Cruel realidade. Eu sou sua cruel realidade. É claro, eu sou um problema. 

A visão do homem não te cansa? Eu estou tão cansado do homem... 

A razão da existência. A razão que permite a alguém ser.

Este é o caso de Shinji Ikari.

O garoto desejou a morte. 
O outro garoto aceitou esse desejo.
O último anjo não existe mais.

No entanto, Shinji Ikari continua cheio de angustia.

~

Trechos em itálico retirados do penúltimo episódio de NEON GENESIS EVANGELION  -  O Fim do Mundo - Você me ama?

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