quarta-feira, 22 de julho de 2020

Relação com a existência

Autoestima (substantivo feminino) - Qualidade de quem se valoriza, se contenta com seu modo de ser e demonstra, consequentemente, confiança em seus atos e julgamentos.

Esse sempre foi um assunto delicado para mim. Minha visão de mim mesmo sempre foi algo extremamente pejorativo. Desde muito novo eu tinha um tendência a comer sem muito controle, o que logo me deixou com alguns problemas de saúde. O sobrepeso me causava dificuldade pra respirar, agravado pela asma e as alergias constantes. Logo descobriram que tinha problemas com colesterol alto e, por outro lado e talvez pudesse vir a desenvolver problemas cardíacos, comuns na minha família. 

Não demorou nadinha para que todos da minha família se tornassem fiscais da minha nova dieta. E sempre morei próximo de muitos parentes, o que significou que tinha um número bem grande olhos em cima de mim. "Gabriel não come isso! Gabriel, tem que comer salada! Gabriel você ta exagerando nos doces, olha o seu tamanho!"

E eu odiava isso. Odiava ser forçado a comer um monte de coisas que eu não gostava e, ainda hoje, a perspectiva de come rum prato comum me traz ânsia. Eu como somente o que tenho vontade. Logo entendi que, se a implicância era com meu corpo gordo, eu tinha de mudar isso. 

Não tive de me esforçar muito quando, durante as férias, acabei pegando uma gastroenterite grave, o que me rendeu a perca de uns bons quilos. Aproveitei o estômago fraco pelas próximas semanas para perder ainda mais peso e logo me tornei extremamente magro. 

Minha técnica era simples: se comia muito num dia, passava um ou dois dias comendo o mínimo possível, assim não ganharia mais peso facilmente. E deu certo, ainda hoje sou reconhecido como muito magro, embora ainda quera emagrecer mais. Não suporto olhar no espelho e ver que meu corpo inchou, uns poucos centímetros que seja. Mas o meu corpo continuava feio.

Depois de mais velho eu decidi começar a me tatuar. Já conto onze delas pelo corpo, algumas até grandes. Isso ajuda a tirar o foco do meu corpo para os desenhos nele estampados. 

Quanto ao meu rosto, que abomino desde que começaram a dizer que tudo em meu corpo era feio e errado, pouca coisa consegui mudar. Fiz micropigmentação labial para deixar a boca mais rosada, e tenho feito skincare com assiduidade, mas ainda assim, o desânimo em ver pouco resultado apesar de muitos esforços e investimentos em produtos caros me desanima. Ainda me olho no espelho com a mesma visão de anos atras, como se tudo em meu corpo fosse errado e feio. Simplesmente não consigo aceitar.

Isso, obviamente, teve reflexo numa personalidade afetada e insegura, muitas vezes excessivamente vitimista. E eu sei que isso assusta as pessoas. Ninguém quer alguém que se sente inferior o tempo todo e se martiriza por isso e, pior ainda, sequer consegue usar isso com trampolim para melhorar. E também não consigo deixar de pensar o quanto minha aparência é razão para afastamento também.

Quando conheço um garoto e ele diz que não tem interesse num relacionamento homoafetivo, mas logo aparece com um rapaz eu vejo que o problema estava em mim, visto que o outro rapaz é sempre alguém discreto, bonito e, geralmente, musculoso. Completos opostos. 

Por outro lado venho passando por um longo processo de aceitar pequenas qualidades. Gosto do meu olhar, gosto das minhas unhas, gosto dos desenhos que me estampam, gosto de usar roupas diferentes, detesto o padrãozinho social engessado e sem vida (para mim, que fique claro).

Mas ainda assim, o resultado dessa autoestima combalida é um homem sem força de vontade, que sempre vê defeito em tudo que faz. Que enxerga cada área da vida como um grande fracasso. 

Na Igreja sou apenas um chato que tenta fazer a coisa certa e, embora tenha um certo conhecimento, ainda assim não consigo aplicar como gostaria. Se canto, não cativo meus parceiros, que frequentemente me abandonam ou me criticam por trás, como se eu não ficasse sempre sabendo. Não o faço de maneira afinada, é apenas minimamente aceitável. Intelectualmente eu sei do potencial que tenho, mas que não passa disso, um potencial. Não tenho força e nem esperanças de um dia chegar a ser um grande escritor, e acho patético ter um sonho tão grande como esse. 

Queria ser uma grande filósofo, contribuir para as discussões dos grandes, estar ao lado de nomes como Eric Voegelin, Olavo de Carvalho e, quem sabe, S. Tomás ou Platão, muito além de qualquer possibilidade. Quem sabe até ser um pensador de segunda categoria, mas ainda com um bom número de leitores e ouvintes, como um Karnal ou Pondé, de qualquer forma, alguém. Mas ainda assim eu me vejo em qualquer reflexo e digo a mim mesmo: você não é ninguém!

Minha relação com a existência é essa, deprimente. Olhando-me no espelho e detestando o que vejo, com o olhar baixo e vazio, o sorriso falso, forçado, absorto em músicas quem ninguém mais escuta e que todos achariam chatas e uma imensa vontade de não fazer nada, já que até hoje nada deu resultado. Continuo sendo o mesmo moleque feio de antes, para quem ninguém olha, e que provavelmente vai terminar sozinho, numa sarjeta, esquecido e viciado, pensando em si como o pior dos piores. 

Psicologia de um vencido

Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco.

Profundíssimamente hipocondríaco,
Este ambiente me causa repugnância…
Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia
Que se escapa da boca de um cardíaco.

Já o verme — este operário das ruínas —
Que o sangue podre das carnificinas
Come, e à vida em geral declara guerra,

Anda a espreitar meus olhos para roê-los,
E há de deixar-me apenas os cabelos,
Na frialdade inorgânica da terra!

(Augusto dos Anjos)

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