sábado, 11 de julho de 2020

O apagão e as luzes

Hoje foi um dia dos mais atípicos, não me recordo de algo tão estranho acontecendo comigo... Já há alguns dias eu vinha sentido que algo estava para acontecer. Vinha sentindo algo se aproximando, uma tristeza, uma angústia sufocante se apoderando de mim, pouco a pouco, me rodeando como leão que busca a quem devorar. 

Me senti estranhamente incomodado com algo o dia todo, inquieto, andando empertigado pela casa, fazendo downloads descontrolados, cantando alto ou deitado como se o mundo estive desaparecendo... Aos poucos, eu sentia, minha mente ia se desfazendo como fumaça. Até que aconteceu. 

Um apagão completo.

Eu não soube o motivo, mas decidi que precisava ir a algum lugar. Precisava comprar alguma coisa, com urgência. Me troquei, peguei a carteira e chamei um uber. Quando cheguei lá, desci do carro e vi tudo fechado ao meu redor. 

De repente eu não sabia mais onde eu estava. Senti frio, olhei ao redor e não reconheci nada. Atravessei a rua, vi algumas pessoas na porta de uma distribuidora, não pareciam amigáveis, ou era preconceito meu, Fiquei com medo, muito medo. Entrei numa farmácia qualquer, disse que procurava um creme pro rosto ou algo assim, não achei. Decidi que ia atrás do tal creme que eu nem sabia qual era. Desci e fui pra outra farmácia, os homens da distribuidora me olhando. Eu sabia que havia algo de errado comigo, mas eu não sabia como ir embora, não sabia o que tinha de fazer. 

Comprei alguma coisa, esqueci o troco e o rapaz veio correndo atrás de mim devolver o dinheiro. Me lembrei que estava com o celular e chamei de novo um uber pro último destino salvo. Estava escrito "Casa". Onde era a minha casa? Eu tinha uma casa? Eu tinha uma casa. 

Esperei pelo carro. 8 minutos. Guardei o celular no bolso, embaixo do poncho marrom. Peguei de novo. 7 minutos. Guardei de novo sob o poncho marrom. Peguei mais uma vez. 6 minutos. Guardei novamente. Um homem me cumprimentou e eu respondi, assustado. Um dos homens que falavam alto veio na minha direção, eu fingi que entraria de novo na farmácia, ele desviou o caminho. Peguei o celular mais uma vez, tremendo de medo e de frio. 5 minutos. E foi assim, minuto após minuto, até que o carro chegou. Entrei rápido e fomos.

Fui reconhecendo o caminho. Mas não devia estar reconhecendo como se tivesse visitado aquele lugar anos atrás, eu passo ali todos os dias, todos os dias eu vejo aquelas fachadas, aqueles letreiros. 

Sem pensar muito sobre eu interrompi a corrida na metade do caminho, decidi que chegaria em casa a pé. E assim eu fui, andando, meio sem rumo, até encontrar a rua certa da minha casa. Meus pés ficaram cheios de terra, eu entrei por um lugar cheio de mato ao invés de usar a calçada. Passei no meio de algumas crianças que brincavam e finalmente cheguei no portão de casa. 

Minha mãe me esperava na porta, mensagem preocupada na notificação do celular. Ela perguntou o que tinha acontecido, se eu estava bem, e tudo o que eu consegui dizer foi que eu não sabia. E então desabei a chorar, sem nem entender o motivo por trás daquelas lágrimas e dos soluços. 

Demorei a me recompor. As lágrimas cessaram, fiquei envergonhado e tudo parecia um pouco mais claro. Um amigo me chamou para sair, andar por aí, e minha amiga, que mora aqui em casa, achou que fosse uma boa ideia que eu saísse, dessa vez acompanhado. 

Reconheço que tem muita coisa na minha cabeça. Preocupações com a igreja, pessoas que me incomodam, que cobram demais de mim, ficar em casa tanto tempo por causa da pandemia, meus próprios fracassos, os muitos livros que nunca foram abertos, as dívidas, o sentimento constante de abandono e solidão, saudades... 

Aceitei sair. Vi as luzes de muitas casas das cidades satélites do Distrito Federal. Caminhei pela Praça dos Três Poderes, tirei foto com aquela catedral horrorosa da arquidiocese, senti o vento gelado na fonte perto da Torre de TV. Andamos abraçados, os três, enquanto conversávamos sobre qualquer coisa, algumas pessoas olhando curiosas. Comemos no carro enquanto fazíamos piadas. Mostrei a eles as fotos que fiz nu dias atrás e é claro que rimos muito disso, postei vários stories voltando pra casa, cantando reggae, as luzes de novo. Irônico, depois de sentir tudo apagar e não me lembrar de nada naquela rua escura e cheia de desconhecidos, me encantar com as luzes coloridas da fonte e das milhares de casas que vimos quando passávamos no caminho de volta. 

Eu sinto agora que preciso descansar, só uma boa e longa noite de sono, mesmo que já sejam três da madrugada. Enfim, amanhã não preciso acordar cedo, eu só quero, e só preciso, de descanso. Meu cansaço mental me levou ao limite. Mas eu também percebi que, se levar a vida um pouco mais leve, eu posso conseguir. Talvez não chegue a ser o grande escritor que sonho, mas ao menos consiga viver sem enlouquecer... 

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