sexta-feira, 3 de julho de 2020

Um olhar no espelho


Passei um certo tempo hoje olhando o meu reflexo no espelho. Admito que estava evitando fazer isso já há alguns dias, pois tenho ignorado até mesmo os momentos de necessários cuidados faciais, mas foram justamente esses cuidados que me obrigaram a fazê-lo, visto que o acompanhamento do tratamento facial é parte importante do mesmo. De qualquer modo o que se previa ser um momento rápido e com um olhar o mais clínico e impessoal possível, mostrou-se uma reflexão profunda e com conclusões um tanto quanto infelizes. 

Percebi, alguns dias atrás, o meu rosto enviesado, com uma cerviz retesada, embotada. Pensei que pudesse ser alguma infeliz consequência da baixa umidade do ar nessa época do ano aqui na região em que eu moro. Hoje percebi que não. Meu rosto parecia repuxar quando fazia alguma expressão um pouco mais forte justamente porque fiquei tempo demais com uma única expressão no rosto. Percebi que a expressão impassível se tornou minha única face. Sem sorrisos, sem sequer caretas de raiva, apenas uma expressão vazia, algo como o teto branco do meu quarto, o qual eu tenho olhado por tanto tempo. 

Meus amigos percebem também a minha falta de ânimo. Não me alegro com filmes, músicas e nem mesmo consigo sorrir de verdade, ao ouvir piadas e histórias. Apenas a mesma expressão, inexpressiva, de quem perdeu qualquer vontade de sorrir ou de viver, e de quem já não enxerga mais brilho ou cores, não importa para onde quer que eu olhe. 

E então eu fiquei ali, olhando meus próprios olhos e tentando encontrar algo que pudesse fazer sentido ali, algo que pudesse fazer aqueles globos castanhos voltarem a brilhar. Mas nada. Tudo o que eu encontrei foi um profundo abismo, escuro e sem vida, mas também sem fim. Algo como se meus olhos refletissem não mais o universo de outrora, mas apenas um vazio de desesperança e silêncio. O grandioso nada ao qual retorna tudo. 

Não encontrei  nada, nada que fizesse sentido, nada que brilhasse, nada. Apenas um gigantesco abismo a me fitar e, conforme fui me curvando para olhá-lo de mais perto, mais me sentia ser engolido por aquela escuridão, mais sentia encher-me do vazio, ser tomado, não mais pouco a pouco, mas de modo abissal, por aquele horror. Como se um oceano de águas impetuosas me tomasse de súbito, sendo golpeado por milhares de agulhas a me rasgarem a pele e destroçarem meus ossos. 

Por fim, voltei ao lugar onde estava depois de tudo isso. Um banheiro úmido e um espelho onde um estranho me encarava com seus olhos escuros e vazios. Senti medo ao olhar para ele, e demorei a perceber que se tratava de mim, senão que pensava estar encarando a própria morte, despida de seu manto negro e vestindo uma pele humana. 

Não existe mais cor ou ânimo porque não sobrou mais nada. Somente aquele abismo, escuro e úmido. Somente o grande nada, que aos poucos engole e envolve tudo. Que a tudo destrói, que a tudo consome e some. Que a tudo retorna ao nada. 

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