sábado, 25 de julho de 2020

Sinceridade da alma

A Filosofia, tomada como amor ao conhecimento e uma busca sincera do ser pela sabedoria, às vezes pode tomar formas tão diversas que nada têm a ver com a proposta original. Estas propostas, por sua vez, por não serem uma busca real pelo conhecimento, mas muitas vezes coisas como jogos de palavras, sofismas ou, ainda, mentiras, não cumprem seu papel como filosofia, uma vez que não a são. Essa busca sincera da alma individual encontra sua fonte no mundo ao redor, na unidade da existência, donde abstrai o que dela se entende e donde por ela se entende fazer parte. 

"Um é tudo e tudo é um."

Partindo deste princípio, a alma individual parte numa jornada de descobrimento que se desdobra em diversos níveis. Começando pelo autoconhecimento ela passa a entender um pouco mais do próprio ser, de suas vontades, aspirações, também dos seus defeitos e dos seus segredos mais íntimos, que muitas vezes escondemos até de nós mesmos. Esse autoconhecimento, evidentemente, encontra um limite, algo mais ou menos como aquilo que expressou Santo Agostinho ao dizer saber quem era, mas que não sabia de onde viera, e sabia também que não era fundamento de si mesmo, tendo, portanto, que ter como fundamento alguma outra coisa que, não sendo ele, estava nele, contendo-o e abrangendo-o de algum modo. 

Como esse conhecimento de si encontra esse limite, passa-se a buscar ainda evidências fora. Ora, o mundo em que vivemos, com os animais que nele habitam, as rochas que se erguem do chão e até mesmo o vento que sopra têm em si algum fundamento. Somos então todos, de algum modo, semelhantes a partir do momento em que, existindo nesse mundo não somos causa de nós mesmos, senão que precisamos de algo mais. 

Daí surge essa busca por entender melhor essa relação, entre nós, o eu individual, o mundo, e esse algo mais que nos fundamenta. Estamos todos inseridos num mundo, numa realidade (num todo) ao passo que, ao mesmo tempo, somos também individualidades, ainda que membros de uma mesma espécie (um um). 

A afirmação em destaque ali acima pode ser tomada num sentido de que todos vivemos num ciclo material. Nascemos, vivemos, morremos e, ao morrer, retornamos a terra, e de certo modo alimentamos a vida que um dia servirá de alimento para outros seres que darão continuidade perpétua a esse ciclo, e isto não está incorreto, mas não é disso que quero tratar aqui. 

Além dessa realidade, material e imediata, há também algo de superior, o mundo dos nossos pensamentos. Não sei expressar bem o que quero dizer com isso mas é algo mais ou menos como o que Platão disse com o mundo das ideias. Um mundo onde o ciclo de finitudes não existe, a eternidade. Ali habita a alma individual que, cá na terra, habita também o corpo corruptível e passageiro. 

Essa busca então, a filosofia, a partir do momento que parte do mundo sensível, toca o intangível e parte do espanto da própria alma individual se prolonga então na eternidade. Aquilo que é feito na sinceridade do eu individual permanece. O autoconhecimento nos mostra o que realmente se preservará. 

Sei que essa minha afirmação traz consigo uma série de problemas. Quer dizer que apenas aquilo que é buscado de maneira filosófica permanece? E as outras formas de conhecimento, como a ciência experimental? E por qual razão somente aquilo que é buscado com sinceridade permanece, ora, a mentira também não pode deixar marcas tão profundas a ponto de continuar existindo indefinidamente? 

A sinceridade de alma é necessária porque é ela a responsável por imprimir aquilo que permanecerá. Tudo o mais que fazemos pode ser esquecido num piscar de olhos, no fim das contas somente a crença dos náufragos permanece, aquilo que, após um desastre no navio, um homem agarrado a uma tábua à deriva no oceano ainda crê, é que permanece. Essas são as únicas coisas que valem realmente a pena. 

Mas isso é apenas o princípio de uma investigação pueril, infantil, de um alguém que ainda dá os primeiros passos, não passa do balbucio de uma criança, e então eu entendo que é melhor que me cale, e torne a falar apenas daquilo que sei, ou melhor, daquilo que sinto, como o faço costumeiramente. 

Existe, antes que termine, uma ordem de conhecimentos, desses que buscamos com a alma mais sincera, que se imprime em nós mas não pode ser expressado. Por isso esse texto tão quebrado, tão cheio de arestas e que mais suscita perguntas do que responde alguma coisa. Isso porque o que estou querendo dizer está impregnado no meu ser, mas tão profundamente que as superficialidade das palavras não consegue abarcar e, também a minha falta da habilidade filosófica não consegue cobrir. Infelizmente, no momento, as coisas são assim. 

Eu vejo então o quanto a falta de sinceridade deixa a humanidade com um aspecto feio e superficial. Vejo trabalhos de uma vida inteira indo pelos ares porque quem os realizou só os fez porque sim e não porque era algo que lhe era impelido a fazer desde dentro, não era algo que queria mesmo fazer. Quando algo é feito de coração, a diferença é notável, o brilho no olhar do artista, a realização do mestre, que nada tem a ver com o reconhecimento, mas com o saber do indivíduo, em cumprir o que se propunha sua alma, sua vontade verdadeira. 

Eu quero saber, quero conhecer, o máximo que conseguir. Sei que não saberei de tudo e tudo bem! Isso não me incomoda. Mas eu quero cumprir esse anseio pelo qual minha alma clama, esse anseio de conhecer o mundo e, principalmente, conhecer a mim mesmo nesse mundo. É isso que eu quero. 

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