terça-feira, 21 de julho de 2020

Olhos fechados

O corpo é, de súbito, tomado por uma febre arrebatadora. A razão é posta em coma e toda a vontade passa a circundar o universo úmido dos desejos luxuriosos. Cada fibra do corpo põe-se a ranger em desejo, os músculos retesados enrijecem com força, a respiração entrecortada passa a não conseguir mais suprir o ar daqueles pulmões que se inflamam em desejo ardente. 

Na alcova fria uma chama se acende, e as mãos abrem e fecham num frenesi. Olhos fechados, marejados, lábios cortados pelos dentes afiados que penetram fundo na carne. O sangue se mistura com a vermelhidão do furor. De repente então há a busca pela parte que pulsa, loucamente, como se tivesse vida própria. 

Na penumbra as apalpadelas encontram em cada parte do corpo um momento de deleite pecaminoso. O quadril de abre, as pernas trêmulas implorando por uma presença firme que as faça vibrar de dor. Na mão o membro em irreparável estado de lubricidade encontra violento consolo, a fricção aumenta ainda mais o calor, que condensando-se do corpo todo, começa a escorrer lentamente em gotículas finas de suor, o ar impregna-se daquele cheiro doce. 

A imaginação toma para si a responsabilidade de trazer até ali uma presença distante. Ao fechar os olhos ele vê aquela figura a sua frente, também ofegante, também desejosa em se entregar aos prazeres mais bestiais, como feras que se devoram na escuridão. Lembra-se do toque grosso, das palavras ditas que fazem a pele arrepiar-se, do beijo quente e molhado, da língua que mete-se com força, dos membros que se tocam, do ato que culmina o prazer em dor e gozo em meio as estocadas e veias prestes a explodir. 

E então vem o gozo. O gozo desses dias terríveis, tediosos, acumulando-se às raivas, as decepções, aos desejos antes reprimidos. O gozo vem com violência, lançando-se, leitoso e prateado, por sobre a pele morena cor de fogo. Lançando-se como o calor que fizera a febre. O suspiro forte toma conta do ar, os gemidos abafados pelos lábios que morderam com violência os músculos de um braço a cobrir-lhe o rosto, vão aos poucos diminuindo e cessando. 

Prova-o daquele néctar, doce e forte, contendo ali a essência dos seus desejos mais profundos e luxuriosos. Ali então, ainda de pernas abertas e coração palpitante como se fosse explodir, o homem é acossado não de uma culpa, mas de um vazio, que fora jorrado e agora escorre pelo seu corpo, como se fosse o veneno a lhe causar aquela febre. 

Mergulha, por fim, numa escuridão, não mais febril, mas acolhedora e gentil, adormecendo lentamente, como se fosse conduzido pela mão até o outro mundo. E tudo aos poucos vai escurecendo, até desaparecer completamente, o coração voltando a bater num ritmo abafado, normal. O furor se fora. O desejo finalmente adormecera, por enquanto. 

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