segunda-feira, 6 de julho de 2020

De uma imagem que se desfaz

Será que há espaço para mim em seu coração? Há lugar para que entre e nele faça morada, como amado no amante, em que tudo um ao outro possuiria? Quem poderá curar-me acaba, de entregar-me já deveras. Já não me enviem mensageiros, e nem mestres, nem seus pretensos sábios. Nenhum deles sabem dizer-me o que desejo. Oh, mas quem me dera se esses semblantes prateados pudessem formar os olhos desejados, se pudessem as brisas rodear-me como desejo que sejam os amplexos do amado, que as árvores possam ter a rigidez que traz consigo os meus sonhos mais obscuros...

Mas apenas disso se tratam essas coisas. Sonhos. Ou já não chegam a tanto. Não são tão profundos como um sonho, mas apenas um devaneio, um esboço da mente destruída, a sombra do que um dia já foi um mundo inteiro de sonhos. Universos era criados para cada novo amor, miríades de estrelas chapinhavam os céus infindos dos meus sonhos mais profundos, capazes de me arrebatar completamente deste plano para uma outra dimensão, diversa, difusa, complexa e, principalmente, inexistente em qualquer outro lugar, senão na minha própria mente distorcida. 

E hoje essa mente produz apenas isso, um pequeno cenário formado da fumaça que escapa dos recessos de minha consciência. Minha razão, ou o que restou dela depois de tantos meses de violentas batalhas, diz que não, não espaço para mim em seu coração, e basta olhar em seus olhos, viajando por entre as nebulosas estreladas de seu castanho brilhante para perceber que isso é verdade. Não encontro morada no seu ser, assim como não encontrei em nenhum outro lugar desse mundo. Resta-me apenas contemplar essa imagem, antes que ela se desfaça no ar, e desapareça completamente, como desapareceu aquele que antes tanto se empenhava em amar.

Será que há espaço para mim em seu coração? Há lugar para que entre e nele faça morada, como amado no amante, em que tudo um ao outro possuiria? Quem poderá curar-me acaba, de entregar-me já deveras, sumindo no horizonte, como cervo me feriste e foi-te embora em seu alazão, trotando para bem longe de mim, em seu próprio mundo, rumo ao seu jardim fechado, onde há aquela fonte lacrada da qual nunca poderei sequer me aproximar para beber de seu doce néctar.  

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