sexta-feira, 27 de agosto de 2021

A Única Esperança

"Estou muito tranquilo. Que venham os meses e os anos, não conseguirão tirar nada de mim, não podem tirar-me mais nada. Estou tão só e sem esperança que posso enfrentá-los sem medo. A vida, que me arrastou por todos estes anos, eu ainda a tenho nas mãos e nos olhos. Se a venci, não sei." 
(Erich Maria Remarque, Nada de Novo no Front)

Todos os dias o meu único desejo é o de me entupir de tarja preta, não para dormir, mas para desaparecer. Todos os dias eu convivo com a uma profunda vontade de não ser, de não viver, e é com esse sem vontade que eu respondo aos outros, que eu me obrigo a manter a sobriedade mesmo quando o efeito dos remédios é mais agradável, mesmo quando eu só queria dormir sem pretensão de acordar. 

E eu sou obrigado a responder que "estou bem" quando me dão bom dia, quando eu já nem sei mais o que é estar bem. Sou obrigado a sorrir, a sair, quando minha única vontade é a de me entregar aos vermes que vivem na terra e me misturar a essa orgânica existência. 

Como podem dormir tranquilamente, como podem acordar e viver um dia inteiro sem vislumbrar a morte que se anuncia mas nunca chega, nunca se concretiza, apenas ameaça de longe e com isso nos faz desejar o seu abraço frio e a cobertura com seu manto negro. Mas ela parece alimentar-se apenas com a nossa esperança, que nos enche de uma luz que logo se apaga com o soprar dos ventos da decepção, os ventos de uma tempestade que me levam, que me destroem, mas que me deixam novamente à deriva, observando a luz do farol que uma vez me enche de esperança, apenas para reiniciar o ciclo infernal da minha própria morte. 

"Minha própria morte" Sim, é com tranquilidade que me refiro a ela, pois a minha morte se deu há muito tempo, há muito eu já não vivo, apenas subsisto pateticamente, fingido que está tudo bem, me arrastando por dias que mais parecem anos, infindáveis momentos de prolongada tortura que já dura incontáveis meses. E a mote, minha algoz, ri-se de minha miséria, ri-se de me lançar de um lado a outro sem que possa resistir, sem que possa fazer nada para diminuir essa minha dor, dor de não saber o que se é e o que se quer, dor de sentir o medo do amanhã desconhecido e dos demônios que podem nascer com o sol, dor da mudança e da constância, dor de não saber voar e não ter forças para lutar. Dor de não ter mais como crer pois o mundo só semeia o horror, de tal modo que aquilo que nos outros desperta amor e esperança, em mim desperta asco e a ânsia de um cardíaco, um gosto amargo de saber que, na realidade, tudo conspira contra. 

Por isso falar da "minha morte" não é temor, senão que uma esperança, já que o medo não é o da morte, o do fim, daquilo que pode ser a única liberdade verdadeira. O temor é que vem antes da morte, o temor é isto que tenho vivido, o desespero de cada noite, isso é o que há para se temer. A morte, meus caros é, nesse contexto, a única esperança. 

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