quarta-feira, 21 de junho de 2023

Aforismos

Uma figura delicada se marcou na minha mente, como a pétalas de uma cerejeira, de um rosa suave, quase branco, e de pureza indescritível. Assim era aquele jovem, um jovem perdido entre todos os outros, agitados e barulhentos. Ele me sorriu duas ou três vezes, e eu provavelmente fiquei vermelho ao sorrir de volta, e ele andava a passos largos, saltitando, com o cabelo enroladinho esvoaçando, enquanto ele vinha falar comigo. A roupa que ele usava demonstravam certo contraste: a camiseta simples e branca embaixo de uma flanela vermelha, a doçura daquele olhar puro e o sorriso cativante. Tudo que pude fazer foi sorrir em resposta e, fechando os olhos, guardar a imagem dele no coração. É provável que nunca mais o veja, e que ele se esqueça de mim assim que virar a esquina, mas aqui, hoje, ele me fez impressionado com tamanha beleza em figura de delicadeza, não como a força do torso arcaico de Apolo, mas com uma única pena, alva e quase intangível, das asas do Amor. 

X

Olhando pra você eu vejo muito da distância que há entre nós. Eu vejo a sua sobriedade ao vestir, diferente da minha simplicidade, eu vejo o quanto você valoriza a elegância como símbolo da virtude e percebo o quão distante das virtudes eu estou. Vejo como você se porta e, mesmo que alguém aponte que somos parecidos, eu vejo que na realidade nós nos distanciamos cada vez mais. 

E hoje faz um belo dia, choveu um pouco de madrugada e, quando saí cedo, ainda escuro, pra ir à missa, ainda chovia fraquinho, e eu senti a brisa fresca no rosto... Passei agorinha perto da porta e olhei para fora, o céu se estendendo num cinza claro até onde não posso mais ver...

E você sempre me fala dos seus sonhos, e eu digo como são belos, e eu não sonho mais nada, ou melhor, se pudesse me atrever a sonhar algo, sonharia com você, mas nem mesmo isso. Meu sono é sempre profundo e silencioso, escuro e confortável, muito confortável. Mas não há sonhos. 

X

Bem, foi uma preocupação que veio enquanto assistia, ecoando algumas palavras de meu pai de alguns dias atrás. Lembro que ele falava que, depois do divórcio, as coisas começaram a dar errado e nunca mais se acertaram. Ele se juntou com a minha mãe, anos depois eu nasci e, desde que aquela época eles nunca conseguiram se estabilizar, em vários aspectos. Por muitos anos ele teve um grande problema com alcoolismo, depois vieram os problemas financeiros, mais dois filhos, problemas conjugais envolvendo o desgaste das relações e infidelidades, mais e mais dívidas...

Entendo bem o sentimento dele. Meu pai não ganha um salário nada ruim, pelo contrário, mas nunca consegue construir nada, o dinheiro simplesmente desaparece. Mesmo depois de muitos anos, eu já tô quase chegando aos trinta, meus pais nunca conseguiram comprar uma casa, não temos mais carro e as dívidas continuam aumentando. 

Ele apelou para uma explicação que envolve a malícia de uma pessoa que poderia desejar isso a ele e que poderia ter feito algo, bom, eu não sei se é isso e nem tenho condições de investigar o assunto por esse ângulo, mas entendo como ele pode não conseguir nunca se estabilizar porque, em menor escala, acontece exatamente o mesmo comigo. Quando eu finalmente começo a melhorar simplesmente me vem uma ânsia incontrolável e eu acabo gastando o dinheiro todo sem nem pestanejar. No último mês tinha uma promoção numa livraria e, ao invés de eu comprar alguns títulos apenas eu fiz um empréstimo alto comprometendo a minha renda por meses e me prendendo mais uma vez, sendo que eu poderia muito bem começar a juntar para um investimento futuro e mais importante.

A nossa casa atual é realmente pequena pra todos nós, e pelo valor do aluguel aqui em Joinville não vamos conseguir nada barato, e para comprar, bom, seria um investimento ainda maior que no momento não conseguimos fazer. Mas é fato que em alguns poucos meses vamos precisar nos mudar de novo... Essa casa é de madeira que não recebeu tratamento, tem mofo por todo lugar não importa o quanto a gente limpe, há vários dias eu venho tendo crises de alergia... As coisas estão apertadas e não conseguimos arrumar nada porque sempre tudo parece muito cheio. 

Precisamos de uma casa maior, onde possamos limpar as coisas melhor, ou eu precisaria morar sozinho e mais próximo do trabalho... Mas olha, tudo isso já é uma perspectiva grande demais. Eu tenho certeza que vamos sair daqui pra outra casa tão ruim quanto, muito provavelmente num bairro ainda mais distante. Minha mãe deve conseguir mais espaço para as plantas mas o conjunto vai ser horroroso e eu vou ter que fazer ainda mais esforço pra trabalhar...

Claro que isso nos leva há algumas possibilidades: nós realmente temos coisas demais e poderíamos nos livrar de muitas delas. Nós estamos todos cansados demais para realmente pensar em arrumar algo e todos somos descontrolados com o dinheiro. Nossa perspectiva de futuro não é nada boa. Fazendo eco as palavras do meu pai, que eu sempre repeti: parece que pra gente nada dá certo, nunca! 

Que isso possa vir de alguma ação maliciosa de alguém eu não excluo mas, de todo modo, não é pensar nisso que vai fazer a gente resolver. Aliás, nem sequer acho que tem como resolver, pelo contrário, estou até profundamente convencido de que algumas pessoas realmente estão condenadas a não verem nada nas suas vidas darem certo. 

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