sábado, 10 de junho de 2023

Eu, Flaubert e Caio

"(...) A melancolia é um prazer sensual deliberadamente provocado. Quantas pessoas se fecham para ficar mais tristes, ou para chorar à beira de um riacho, ou escolher um livro sentimental! Estamos constantemente construindo e desconstruindo a nós mesmos." (Gustave Flaubert)

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Não sei dizer bem o que tem acontecido comigo nos últimos dias. Achei que após uma boa noite de sono eu acordaria me sentindo melhor mas isso não aconteceu. Tenho estado com a paciência curta, evitado contato e em silêncio, não contemplativo mas emburrado mesmo, tudo tem me irritado. Hoje não me animo com nenhuma música, nem com fotos e nem conversas. Não sei dizer o que poderia me animar. Ontem ainda pensei em tomar uma garrafa de vinho antes de dormir mas, no fim das contas, acabei deitado e adormecendo de qualquer jeito, sem nem coragem de levantar e a perspectiva do vinho, ou de conversar com alguém, tudo me causava desconforto. 

Talvez seja efeito da minha recente resolução, sobre a qual já falei algumas vezes aqui e que parece ter tomado grandes proporções no meu peito... Acho que eu só queria poder ficar mais deitado. A verdade é que hoje eu estou absurdamente chato, no sentido mais amplo do termo, insuportável até mesmo para mim. 

Hoje já não quero consolo, pois meu amor já não existe, nem beijos ou abraços, quero apenas o silêncio e o escuro. Queria dormir o dia todo, sem me importar com nenhuma mensagem ou com que roupa eu vou usar. Se bem que em casa também tem toda aquela bagunça, e a incompreensão da família em achar que eu tô no auge da vida enquanto eu acho que tô pouco acima do fundo do poço. Até meus colegas de trabalho dizem que, alguns dias, eu chego com "cara de morte" e, bem, é assim que eu me sinto mesmo, não acho que tenha problema em demonstrar isso. Carrego comigo o olhar indiferente e indolente de um idiota, enxergando o futuro com pessimismo e desesperança, uma profunda desesperança que, se a cidade inteira ruísse hoje mesmo, se eu caísse doente de morte, ainda seria um cenário mais bonito do que o que eu imagino e vislumbro. 

Talvez mais tarde aceite aquela garrafa de vinho ou um tiro na perna. Não sei mais diferenciar uma coisa da outra. Tem uma xícara bem grande café fumegante ao meu lado mas eu sei que não é o bastante. Pelo menos a estação já está um pouco mais fresca. 

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"Reconheço, estou em desequilíbrio, estou me distanciando cada vez mais. Faço este esforço até quem sabe alcançar um ponto tão remoto que não saberei jamais encontrar o caminho de volta, se existe um, e penso que não. Ao pé da escada ele me espera, braços abertos, parado sobre o tapete. Tem o peito largo, sinto, ao afundar de encontro a ele essa parte minha sem forma a que acostumei chamar de face, seus braços podem dobrar-se apertando minhas costas enquanto sinto seu cheiro, esse cheiro espesso de sal, algas, corais, medusas, águas-marinhas. Quero perder-me nele, como o que nunca terei... fecho também meus braços em torno de suas costas, aproximando-o de mim para que nossos dois corpos se confundam, para que nossos cheiros se misturem, para que pelo menos por um segundo sejam, eu, ele, uma coisa única..." (Caio Fernando Abreu)

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Imagem: Casey Childs

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