domingo, 18 de junho de 2023

Reorganização

Só estou reorganizando as coisas na minha alma. Sim, na alma pois o amor se dá na parte superior da potência humana e é nela que preciso operar a minha mudança. Eu te disse quando usei a analogia do baú de tesouro alguns dias atrás, se lembra? Eu vou colocar o meu amor por você num baú e guardá-lo como um tesouro, mas isso leva tempo, justamente porque esse baú deve ficar na profundidade da minha alma, em local tão secreto que até mesmo eu tenha dificuldade de achá-lo pois, como não usarei tal amor com você e nem tampouco entregarei a outro, ele deve ficar secreto. Esse movimento da alma requer algum tempo, os movimentos superiores do ser não se fazem no mesmo tempo que as ações temporais e corporais, é um movimento que impacta diretamente na eternidade. Desse modo eu dou mais um passo rumo aquela minha resolução: a de abraçar a minha missão intelectual e não me distrair com coisas do mundo, ainda que essas coisas sejam o amor que, penso, venha do próprio Deus. 

Na busca pela Verdade eu quero encontrar o próprio Deus, e fazer o melhor possível que chegue a hora do fim, e o mais que faço não vale nada. Sendo um movimento interno até a dor precisa ser encarada em espírito de quietude, por isso tenho buscado uma disciplina quase monástica para isso. Não darei esse amor a outro, eu não quero mais me distrair tanto quanto antes e, muito menos, tornar a sofrer num amor unilateral, como o nosso, onde eu me derramo completamente e recebo em troca... Enfim, é assim que as coisas devem ser. Se eu tivesse tido a honra de conhecê-lo, chamaria o velho Buck pra tomar algumas garrafas de vinho agora. 

Isso significa que tenho dado muito mais importância aos momentos de silêncio e solidão, que tenho preferido dormir enquanto trabalho isso profundamente pouco a pouco, construindo um muro ao meu redor que me impeça de sentir a torpeza do amor de novo. Até nos breves momentos de luxúria eu tenho me sentido avesso a todo sentimento, tenho preferido abafar tudo, sufocar e fazer morrer lentamente ao invés de alimentar qualquer um por menor que seja, pois sei que eles crescem rápido e que logo nos devoram, que a fera que nasce de um amor gentil no coração não demora a enfiar suas garras afiadas e suas presas dilacerando esse mesmo coração em busca de sair e se libertar, deixando então uma casca destruída. 

E eles nem sequer percebem, a dor que me causam. Seja nas palavras ásperas, na ânsia por poder e influência ou simplesmente pela insensibilidade. Torno então a pensar nas divisões que há entre todos nós, nos limites de nossa consciência e na dor que há quando duas consciências se tocam, sem conseguir se entender elas se machucam, não raramente sem nem mesmo perceber, cabendo a nós, como no Dilema do Ouriço dito por Schopenhauer, encontrar uma distância segura entre todos. E é interessante como todos os homens sábios ensinam coisas nesse sentido. Me recordo, por exemplo, do conselho de Santo Tomás de ser amável com todos mas não próximo demais, pois a proximidade gera o desprezo e isso dá ocasião para abandonar o estudo. 

Tudo isso mostra então qual deve ser a inclinação da minha alma, que devo buscar a verdade, que devo buscar apenas a Verdade, a Verdade Eterna, e o mais que faço não vale nada. 

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