terça-feira, 6 de junho de 2023

O único futuro possível

Lamento por não ter me feito entender. É um efeito colateral da nossa comunicação limitada por mensagens: a condensação das palavras fazem com que o intérprete precise ter consigo um repertório correspondente aquele que fala para conseguir compreender, do contrário temos confusão e, como vimos, desentendimento. 

Quando disse que eu desisti, e torno a falar disso pela terceira vez ainda essa semana, eu não dizia que desisti de você, ao menos não totalmente, porque desisti romanticamente, mas eu dizia que desisti de todos, que desisti desse aspecto da minha vida. Eu desisti de buscar alguém, de esperar por alguém, de acreditar que, em algum lugar, eu posso achar uma pessoa que caminhe comigo. 

Bom, ontem você me disse que não havia distinção no amor, e eu sei que você quis dizer que me ama, só não é capaz de expressar isso da forma romântica como eu queria, muito embora algumas vezes a gente fale de forma romântica, mas até isso eu percebi que mudou sutilmente entre nós (fizemos isso de modo consciente?) para que evitemos maiores confusões não é mesmo? Já fomos machucados demais. 

E é por isso que eu desisti. É um realinhamento das minhas prioridades, simples assim. Eu finalmente decidi que buscar num outro homem realização, completude, companhia, e loucura. Decidi abraçar a solidão, solitude intelectual que me coloca na companhia das grandes mentes, dos grandes mestres da humanidade, aos pés dos quais me sento humildemente e lhes peço que me alimentem com migalhas de sua sabedoria como aos cães que rodeiam as mesas dos ricos. Como Avicena me prosto ao obelisco de sabedoria de Sto. Tomás e aprendo o que posso com ele. 

Isso porque, mesmo você dizendo que não há diferença no amor, eu continuo sozinho, no sentido romântico, porque tenho você como amigo, mas por isso eu abraço a solidão romântica e, recolocando meu esforço nas coisas altas, sublimes e verdadeiras, eu me dedico a buscar um sentido maior, que hoje me falta por completo, senão que o vejo apenas como que por um brevíssimo vislumbre em meio a névoa das potências inferiores do intelecto. Não há diferença no amor mas eu continuo sozinho, quando fecho os olhos ao dormir ou quando desperto e vejo a cama vazia, eu continuo sozinho.

Eu não posso namorar, seria um pecado público, então não há razão para que continue buscando isso e, por outro lado, já escrevi uma centena de vezes sobre as dificuldades que enfrentei nessa vida quanto ao amor. É hora de assumir a maturidade e aceitar e abraçar a solidão e me dedicar realmente as coisas do homem adulto, abandonando os sonhos vazios do jovem. Não acredito mais no amor, nesse amor que dói e que só me deixa doente. A solidão é minha única alternativa, mesmo que você diga o contrário, eu continuo sozinho. 

Eu não sou o tipo de amigo que as pessoas mantém por perto. Poderia enumerar vários motivos para se afastarem de mim: alguém que estuda o tempo todo coisas que interessam a bem poucos, que escuta músicas que a maioria considera estranha. Eu desperto estranheza nas pessoas, eu tento ser simpático, mesmo quando meu humor muda drasticamente, tento manter o profissionalismo, tento conversar com carinho e compreensão mas, mesmo assim, quando chega o fim de semana, ninguém se lembra de mim, sem cinema, sem teatro, sem ir no parquinho ou tomar sorvete naquele lugar incrivelmente caro no shopping. Nos momentos de alegria eu quebro o clima, eu sou melancólico, bad vibes, baixa vibração, e ninguém quer pessoas assim. Claro que quem me procura se preocupa com algo que eu tenha a oferecer, e eu sei que muitas vezes é verdadeiro. Quando uma amiga pede um conselho ou desabafa, quando um amigo e aluno me pede pra explicar questões importantes ou quando o afilhado me pede ajuda, esses precisam de mim de verdade como eu preciso deles. E é com isso que eu deveria me preocupar, não em me tornar parte de um grupo, busca típica da 4° camada de personalidade, mas buscar conexões profundas. Mas admito, é uma resolução dolorida e solitária, muito solitária. 

Me sirvo das palavras do Santo Padre, o Papa Francisco, no Regina Caeli deste V Domingo da Páscoa que ilustraram muito bem, com a sua simplicidade pastoral, o que eu tentava dizer em termos existencialistas contaminados pelo meu pessimismo natural e que ele conseguiu traduzir com a completude que se espera do Vigário do Cristo, imensamente maior do que a minha limitada expressão:

"Então, quando sentimos o cansaço, a desorientação e até mesmo o fracasso, lembremo-nos para aonde vai a nossa vida. Não devemos perder de vista a meta, mesmo se hoje corremos o risco de não lembrar, de esquecer as perguntas finais, aquelas importantes: aonde vamos? Rumo aonde caminhamos? Por qual motivo vale a pena viver? Sem estas perguntas, sufocamos a vida somente no presente, pensamos que devemos desfrutá-la o quanto possível e acabamos por viver o dia, sem um propósito, sem uma meta. (...) A nossa pátria, ao invés, está no céu, não nos esqueçamos da grandeza e da beleza da meta! (...) “Eis a bússola para alcançar o Céu: amar Jesus, o caminho, tornando-se sinais do seu amor na terra. (...) Olhemos para o alto, para o Céu, lembremo-nos da meta, pensemos que somos chamados para a eternidade, para o encontro com Deus. E, do Céu, renovemos hoje a escolha de Jesus, a escolha de amá-lo e de caminhar atrás Dele." (Vatican News, 07/05/2023)

Eu sou uma pessoa bem medíocre, é verdade. De nada me adiantaram os cursos superiores, depois de tanto tempo na faculdade eu ainda ganho menos do que uma empregada doméstica. Poucas pessoas leem o que eu escrevo, não tenho nenhuma perspectiva de amor, amigos ou até mesmo de um futuro. Eu sigo estudando, apenas isso, mas não tenho um objetivo a perseguir, somente um vazio, decepcionante, medíocre, esperando o dia que, de súbito, eu tome o suicídio, único futuro possível, de uma vez por todas.

Pode parecer absurdo dizer isso logo depois de uma citação do Papa Francisco repleta de esperança, mas, mesmo tomando essas palavras como a verdade profunda do sentido da vida eu ainda penso no futuro ainda aqui e, não tendo um amor, não tendo amigos ou família, quando já sentir o declínio das minhas forças eu posso recorrer ao abraço afetuoso da morte em vista de me abrir de uma vez por todas para a eternidade. Que busque a Verdade enquanto viver e, quando já não conseguir mais andar por conta própria que ao menos possa partir em paz. Aliás, também sem amor, minha morte não fará tanta diferença assim e que, dessa perspectiva, toda luta além daquela pela vida intelectual é vã. 

~

Imagem: Ocean Limited, 1962 - Alex Colville

Um comentário:

  1. É exatamente por aí mesmo kkkk aliás, essa falta de amor próprio é praticamente o tema central de todas as análises que o futuro fará sobre mim!

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