quarta-feira, 28 de junho de 2023

Tortura e veneno

Acabei mergulhando de cabeça num grande pântano de rancor, sim, esse sentimento que me é novo acabou me dominando, e eu pude sentir os vermes daquele lodaçal rastejando em direção a mim, os tentáculos gelados do desprezo foram me envolvendo. É que aquele olhar de peixe morto, aquela voz irritante me penetram na alma até o tutano e, do âmago do meu ser me vêm uma violenta vontade de gritar e disparar como um São Tiago em direção aos mouros. 

Em outros momentos, de consternada ira, eu me vejo nos cenários mais pavorosos onde aquele sorriso idiota seria substituído pelos gritos lancinantes de dor. Talvez num quarto escuro, talvez com insetos rastejando sobre seu corpo, lançada ao desespero, com partes de seus membros lançados de qualquer jeito pela violência brutal daquela vingança. 

Essas imagens habitam no profundo da minha imaginação, mas eu sei bem que eu não sou uma pessoa ruim por isso. Não, isso é só reflexo de uma deficiência, de um medo, de uma insegurança boba de que alguém me seja superior. Na realidade eu prefiro a confortável posição de não precisar tomar decisões, de não me incomodar. 

Mas parece que ser simpático com todos é uma coisa ruim, quem diria que a educação atrai o desprezo? Eu devia ter aprendido melhor com Santo Tomás e internalizado de vez que é precisa ser amigável com todos mas não permitir a intimidade em exagero pois ela leva ao desprezo. E é nesse ponto que eu sorrio, de modo irônico, sabendo que as trevas no meu peito logo vão se dissipar e que eu devo colocar em lugar delas a maturidade séria que me convém. 

Se bem que, mesmo assim, seria muito bom colocar ela no seu lugar, recolhê-la a sua insignificância, talvez ver rolar algumas lágrimas naquelas bochechas que mereciam umas boas bofetadas e uma cusparada de desprezo. Que raio de pessoa inconveniente! Qual a dificuldade em saber seu lugar? Qual o problema de entender, coisa que qualquer criança deveria entender logo que chegasse aos dez anos, que nem tudo é do jeito que a gente quer? 

São pessoas frustradas, e eu também sou, mas pelo menos eu sei disso. Só me assusta um pouco como a pessoa consegue estar completamente fora da realidade em seus juízos e, justamente por isso, se achar dona da razão. 

E eu então, que não gosto de embate, fico na defensiva, ou melhor, fico fingindo que não existo e que ela também não existe, porque, no fim das contas, se eu só me preocupo realmente com as coisas que importam, com as que, confrontadas com as ideias dos náufragos têm algum valor, ela realmente não importa. 

Até poderia tentar acrescentar alguns parágrafos mais gráficos destilando esse veneno, mas estou cansado demais pra isso, ganho mais tomando um bom gole de vinho e indo dormir, afinal amanhã vou acordar de novo não é mesmo? 

Um último acréscimo, que eu só percebi quando já me aproximava da cama pra dormir, é que, no fundo, o que eu sinto é uma vontade tremenda de ser mais forte, reconhecendo que o outro, por mais idiota que  seja, sempre consegue defender as idiotices em que acredita, por mais estúpidas que sejam. Eu, por outro lado, fico a sonhar que um dia poderia sorrir no meio de um combate como aquela Kenpachi Unohana que, de braços abertos, esperava qualquer um que ousasse cruzar espadas com ela justamente por confiar que, sendo mais forte do que qualquer um, o resultado seria sempre o mesmo: a morte dos seus inimigos, desfiados ao fio de sua lâmina ou brutalmente derretidos pelo veneno de sua Bankai. Mas Unohana era uma guerreira realmente formidável, esses idiotas são apenas idiotas que falam alto demais. Eu, por outro lado, não consigo nem gritar, estando por baixo da pilha de corpos da maior assassina de toda Sereitei ou correndo dos embates com um idiota qualquer. Um covarde de marca maior.

Daí eu também sonho, meio bêbado já depois de uma ou duas garrafas daquele vinho, em deslizar minha mão por uma espada mágica e fazer dela escorrer um veneno capaz de derreter a carne de todos os inimigos. É, é uma convalescença leve e demente, de um pobre covarde antes de dormir. Fecho os olhos e sinto as lágrimas brotarem, tento conter mas é em vão. E, se me afasto, para tentar não ser grosso, continuo sendo interpretado assim. 

Bom, meu olhar indolente esconde uma aura assassina ou apenas mais uma camada antes da covardia de um gatinho assustado? Eu sou patético!

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