quarta-feira, 7 de junho de 2023

Aquelas músicas

Algumas músicas me fazem lembrar daqueles dias, dias obscuros, dias tão difíceis que minha carne treme e meu espírito vacila somente em lembrar. Eu tomava um monte de comprimidos pra dormir e escrevia enquanto o efeito começava, geralmente me rendendo bons adágios lamentosos que combinavam com a seleção de músicas que eu montei especialmente para aqueles momentos. Antes eu me limitava a fazer isso uma vez ao mês, depois aumentei para uma vez na semana e, pouco depois, já fazia três ou quatro vezes ao dia, me viciando em fugir da realidade cada vez mais. 

A playlist começava com a inconfundível Utada Hikaru, nas duas músicas usadas nos créditos do último filme de rebuild de Neon Genesis Evangelion, que apesar da arte impecável não me conquistou tanto quanto o primeiro anime lançado, de todo modo One Last Kiss e Beautiful World, que inicia com alguns acordes dedilhados num violão e depois dá lugar aquela voz agradável e romântica, davam o start dessa sessão de hipnose forçada, sempre com bastante angústia, que pouco ia se transmutando pela química em um transe e, depois, em um sono profundo por poucas horas. Ela conseguiu colocar vários elementos que me são profundamente caros e que ditavam a tônica de todas as escolhas seguintes: continua uma alegre esperança no amor, um desejo que se revelava nas formas como a melodia leve dá espaço para as batidas mais marcadas dessas duas faixas pop que são a obra prima dessa artista. 

Algumas faixas mais para frente tinha dois covers na voz potente e soft de Kim Woojin que eu nunca parei pra ouvir no original. Era Before You Go do Lewis Capaldi e Easy On Me da Adele, e mesma ela sendo uma das cantoras mais incríveis que já vi, reconheço que foi a beleza ímpar e a força da voz dele que me conquistaram. Depois, Radio, uma baladinha do Henry em que ele fala de como as coisas são na cabeça dele, me embalando e preparando para o oceano que se seguiriam e uma outra faixa, leve e um pouco psicodélica, com aquele espírito libertador do Holland, numa vibe que começava a bater a dopada candura. 

Depois vinha a doçura do Nunew em My Cutie Pie, uma faixa mais agitada mas com letra tão romântica que ainda combinava com o todo conceitual que criei para aquele momento, permeado de amor não correspondido e uma esperança que me sufocava em meio a depressão. Seguia-se então o charme de Woosung nas faixas do The Rose que eu escolhi, RED com aquela sensualidade alegre, The Beauty and The Beast, apaixonada e ILYSB, melancólica declaração numa noite num bairro distante mas animado por algumas garrafas de Soju. Essas já faziam eu me perder nos refrões melódicos e na guitarra que acompanhava a voz potente do vocalista. Depois disso eu já começava a sentir os primeiros efeitos do Zolpidem e a escrita se tornava mais frenética. Me lembro então de como se misturavam, a voz doce a fofura inquestionável do Nunew que me faziam querer abraçá-lo e o sorriso do Woosung, que combina um carisma impressionante com uma sensualidade simples naquele gestual performático do cantor.

As próximas me levavam quase ao delírio estético, ao mesmo tempo em que derramava em palavras o meu sangue apaixonado, vazio, que se lançava no silêncio e no torpor. Tem a faixa tema de Not Me, meio profusa, na voz de KANGSOMKS, aquela contagem regressiva que confessa o desejo do beijo na trilha de Lovely Writer (1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9, 10 and KISS!) do Gavin D, a combinação das vozes dos meninos do F4 Thailand em Who Am I, onde Dew, Nani e Win preparam a base para Bright entrar no refrão mais alto assim como na série os meninos fizeram de tudo para apoiar o amigo a seguir seu amor.

Lembro que, mais ao final, tinha uma combinação inesperada, com Singto, Krist, Off, Gun, Bright e Win cantando OK!, um tema para propaganda de macarrão instantâneo. Rapidinha e engraçada, com um frescor da combinação das vozes e uma pequena modulação no OK! do refrão que me cativou e, mesmo não sendo nada triste, me fez colocá-la aqui. Não posso deixar de citar umas das maiores faixas virais de Tailândia, a faixa DARARI, do grupo coreano Treasure que simplesmente bateu todos os charts do Tik Tok entre os artistas do meio BL, enquanto eu me lembrava, muito vagamente de todos os vídeos que vi dos meninos dançando, com a mão na cabeça, eu então começava a mergulhar na escuridão, a névoa pouco a pouco se tornava mais e mais densa.

Agora eu já tinha dificuldade de escrever coisas com mais coesão, com frequência eu adormecia pouco depois dessa parte, muito embora não estivesse nem na metade e, depois acordando esporadicamente e ouvindo trechos que me faziam voltar a profundidade. A poderosa balada de TAEYANG, Eyes, Nose, Lips e seu refrão inconfundível e sua coda sensacional, sempre cantei com plenos pulmões mas aqui eu só internalizava toda aquela potência, enquanto ele cantava à frente da imagem em chamas de alguém que o deixou... Outra grata surpresa é a faixa que Mix Sahaphap assina para a trilha sonora de Fish Upon The Sky, num MV lindo cheio de matizes roxos realçando a beleza dele e a combinação com a mente confusa do protagonista de série. A partir desse ponto as coisas ficam mais e mais esparsas: Tem a mórbida Mango From The Wrist do Takayan, que canta alegremente sobre cortar os pulsos, ideia que eu respondi algumas vezes, a faixa de LOVE STAGE cantada pelo elenco, numa obra meio frenética que já me fazia mergulhar num oceano colorido repleto de possibilidades. 

Love Area do Jeff Satur me recordando o doce Kaitoon de Pak Chavitpong, um dos personagens mais fofos que eu já vi. STAY do GETSUNOVA e o instrumental arrebatador, me encantou quandou ouvi a primeira vez e algum tempo depois na trilha sonora de My Gear And Your Gown, e aí vem Only You do POLYCAT e Hidden do Fluke Natouch, que formavam uma unidade pela presença do pequeno ator em duas histórias genuínas e sinceras que sempre me fizeram lamentar a superficialidade dos nossos relacionamentos. Closer de Cupid's Last Wish na voz de Mix e Earth numa profusão claramente chapada, ou talvez eu pense isso porque a essa altura já estava sempre chapado. As duas faixas do Project 7, a doce e animadinha Would You Be My Love de Santa e Earth e o rock levinho e fofo de Boom e Peak em Crush on You, rostos pelos quais me apaixonei perdidamente, pela dancinha e pela expressão dos quatro que têm um lugarzinho especial no meu coração. 

Mais ao fim a No Problem do Dvwn, arrebatadora como a série que em que ela aparece, chega sem avisar e, quando menos se espera, te faz mergulhar em poderosa depressão. A seguinte, Warm Heart, se combinava com a anterior em mostrar duas faces do amor: a melancolia e a paixão impulsionadora do espírito. Terminando a jornada encontramos a versão inglesa de My Starlight, na interpretação de Joong e Dunk de Star in My Mind, terminando de modo quase imperceptível com STUTS e Awich, que começa com uma batida inconfundível e uma voz meio entediada cantando amor no meio de palavrões, na faixa que é parte da trilha sonora de More Than Words e outras faixas mais calmas que me faziam cair, finalmente no feitiço irrestível de Morfeu.

Só em lembrar das músicas deles eu já sinto até o gosto meio amargo das incontáveis doses de Rivotril, Diazepam, Zolpidem e Ciclobenzaprina que eu tomava todos os dias, querendo apenas apagar, dormir tão profundamente que não acordasse mais. Mas eu acordava, e continuava acordando, dias após dias, e tinha crises de pânico e uma interminável depressão, e até nos dias em que estava mais disposto caia no terror noturno. Era um inferno. Muito raramente eu conseguia me divertir, e os únicos momentos em que tinha alguma calma eram nas muitas séries que eu via, um manancial de romance que me faziam rir e sorrir, ainda que sutilmente, e que eram a únicas coisas que me mantinham vivo. Saber que amanhã tinha outro episódio era a única coisa que me fazia ir dormir. Acordava infeliz, mas sabia que se suportasse mais um dia eu teria mais um episódio pra ver, seja do doce Tofu em The Miracle of Teddy Bear ou, da força revolucionária de Not Me ou daquele romance irresistivelmente delicioso de Cherry Blossoms After Winter. Mas, mesmo hoje, se eu fechar os olhos enquanto essas músicas tocam, ainda sinto o gosto daqueles remédios que tomava antes de me deitar na esperança, brutal e genuína, de que nunca mais acordasse, a não ser que tivesse mais um episódio. 

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