segunda-feira, 26 de junho de 2023

Um olhar que ela nunca viu

Um deles tinha aquela vida cinza, aliás preto e cinza eram a cor da maioria de suas roupas, e ele sempre aparecia em público com aquele olha vazio que todos achavam sensual, como o homem sério e gentil dos sonhos de qualquer garota. 

Mas tinha outro de olho nele, e aquele via nesse o olhar vazio e distante de um sonho que só ele poderia ajudá-lo a realizar. Por isso quando ela se foi, virando a esquina no luxuoso carro alugado, ele se aproximou do outro, solteiro por alguns dias, e o chamou para beberem juntos, servindo uma generosa dose de whisky assim que se sentaram no bar daquela mansão. Onde estariam os outros moradores daquela casa? Não importava, e ainda que estivessem todos ali ele teria investido do mesmo jeito.

Foi preciso apenar um olhar, os olhos brilhantes e cheios de desejo, e uma frase "você devia fazer tudo o que tem vontade fazer" e, em pouco instantes, os dois estavam de pé contra o batente, as calças abaixadas, e ele estava violentamente fazendo o que tinha vontade, enquanto o outro gemia satisfeito por finalmente conseguir o que tanto queriam. 

Fizeram várias vezes naquela noite, em todas as posições possíveis, todas as inibições esquecidas como as roupas ao chão e, na manhã seguinte, foi como se estivessem ficando juntos pela primeira vez. Um sentado por sobre o membro duro do outro, ambos em uma frenética competição para ver quem fazia o outro ceder primeiro, e pelo visto nenhum dos dois iria se entregar tão cedo. E naquela manhã começaram apenas com um simples gesto da mão dentro da roupa íntima, excitando ainda mais aquele músculo que nem sequer dormira, e que refletia meses de excitação reprimida, que ele apenas aliviava momentaneamente com a namorada. 

Mas ele nunca abrira as pernas dela com aquela violência, com aquele desejo, ele só queria se livrar rápido daquilo, mas ele, ah, aquelas pernas ao seu redor agora, era aquilo que ele desejava o tempo todo. Todos os olhares, todos os toques sutis, durante meses e meses ele desejou aquele momento, desejou ouvir aqueles gemidos, desejou chegar bem fundo daquele jeito, e desejou aquele homem mais do que tudo, mais do que a carreira de sucesso, mais do que o grito das fãs e mais do que a dedicação da namorada em fazer deles o casal perfeito. 

E ela merecia isso. Merecia ouvir cada um daqueles gemidos quando um cravava as unhas nas costas do outro ou quando chegava ao fundo, estocando com força, os olhos fixos um no outro, nenhum flash dela sequer passou pela mente dele. E a culpa não era dela? Naquela manhã, depois de várias e várias rodadas de sexo e whisky, ele queria que todas as mulheres do mundo, manipuladoras, traidoras e sufocantes, se sentissem traídas, assim como ela se sentiu ao abrir a porta, sorridente, e dando de cara com aquela cena, com outro homem cavalgando no pau do seu namorado, sorrindo como uma puta e, pior ainda, ganhando dele um sorriso safado de prazer que ela nunca vira e julgara que ele era incapaz de dar. 

Ele queria que ela sentisse isso, e eu queria também, também sentia em mim aquele impulso vingativo contra as filhas de Eva, num devaneio nada sutil de lançar todas num vale tenebroso de chamas e dor por toda a eternidade, e talvez assim elas sintam um pouco da dor que senti... Isso faz de mim uma pessoa ruim? Esse desejo de querer, por uma única vez, que elas sentissem o que sinto toda vez que um homem me deixar por uma mulher?

Depois daquela manhã de calor, em que ela entrou e viu os dois se desejando profundamente e gritou como louca, eles viraram as costas e saíram, e eles ainda iriam comprar roupas juntos, coloridas dessa vez.

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