terça-feira, 24 de maio de 2016

A Roda da Fortuna

A vida tem umas coisas engraçadas, me recordo agora da Roda da Fortuna, expressão do codex Carmina Burana pra falar da vida. Sou apaixonado pela orquestração do Carl Orff para esses poemas. E é sobre a roda da vida que venho falar hoje... 

Me peguei procurando por figuras de linguagem que me ajudassem a transmitir os sentimentos desde dia e decidi que a roda da fortuna serve como uma luva. Pelo que pude entender, a vida segue um fluxo constante e cíclico, mesmo quando não percebemos, ela sempre volta a girar e as coisas tornam a acontecer. Claro, assim, como a água de um rio nunca passa duas vezes pela roda de um engenho, as coisas nunca acontecem da mesma forma, mas a roda também nunca para de girar. E é disso que se trata "Oh Fortuna", o primeiro poema dos Carmina Burana. Da sorte, que ora sopra a favor do homem, ora em favor da roda, fazendo a mesma girar. Variável e mutável como a lua, sempre nos surpreendendo com a sua imponência. Creio que aqui, a sorte se mistura com o conceito do destino, sempre mutável, seguindo uma lógica complexa e praticamente desconhecida. Se nosso destino é controlado por Deus, pelo acaso, ou por nossas escolhas, não sei ao certo, mas de uma coisa estpu convencio, há uma lógica poderosamente escondida no destino. Será que no final de tudo, a sabedoria é de fato a única herança que o destino pretende nos deixar. Penso que sim.


Tudo na vida nos serve de aprendizado. Se algo aconteceu e ainda não entendemos o motivo, provavelmente é porque ainda não adquirimos a maturidade necessária para se conseguir a perspectiva da compreensão. Perspectiva. Tudo depende desse ponto de vista pessoal que se molda através da nossa cruel sorte. Cruel pois nos rouba a única coisa que realmente possuimos: a nossa liberdade. A sorte então as vezes permite que coisas boas aconteçam, talves como prêmio por algo que a tenha agradado, ou simplesmente para se deleitar quando arrancar este prêmio da forma mais cruel e brutal que se possa imaginar. É como se ela lhe desse todo o dinheiro do mundo mas lhe proibisse de comprar qualquer coisa. 

E ela é implacável em suas decisões, move-se com a sutileza de uma serpente, mas com a força de um tsunami, deixando seu rastro irreparável por onde quer que passe. Mas, assim como uma civilização aprende a construir cidades mais fortes depois de um desastre natural, o homem insiste em se reerguer mais forte do que era de ser derrubado e logo se põe a cantar a vitória de ter adquirido sabedoria em sua própria destruição. Tolo. Só o faz para despertar a ira da sorte mais uma vez, que retorna décadas mais tarde para matar a prole do homem que se reergueu. Não ataca o homem diretamente, mas o faz de uma forma ainda pior. E o homem, cansado por ter lutado por sabedoria duante toda a vida, não tem outra opção senão observar seus filhos serem mortos um a um a sua frente, sem que ste possa sequer levantar-se para se lamentar as entranhas de seus filhos espalhada pelo chão de sua casa em restos mortais que gritam a risada macabra da sorte.

A vida, cheia de decepções, faz os homens virarem-se uns contra os outros e a lutarem cada um por seus próprios interesses. As vezes ela se mostra bondosa, lhe dá um amigo, um namorado, com quem você pode compartilhar algumas batalhas, mas só para que ela possa matá-lo a primeira oportunidade, bem a sua frente, antes do término da guerra. E assim, terminada a batalha da vida, a sorte se deleita da vitória incompleta do herói. E o faz sentada no trono conquistado. Trono este que se encontra vazio e frio, pois a conquista do reino não tem mais sentido se aquele guerreiro que lutou tanto ao seu lado não mais aqui. Não poderá mais se aproveitar do delicioso banquete da vitória e tampouco se divertir com os homens e mulheres, amantes e escravas, que são o prêmio de tão ardorosa conquista. Ah não, o melhor amigo do herói nunca o acompanha até o final de sua jornada. Ou morre tragicamente ou trai seu amigo, antes de ser morto pelo lado para o qual trabalhava desde o principio desse grande e desconhecido enredo. E a sorte se delicia com o desespero do coração do herói que acabou de conquistar uma vitória vazia. Uma vitória que só faria sentido se fosse compartilhada. Uma vitória que não tem fim em si mesma, mas que encontra sua plenitude apenas naquele raro sorriso entre o herói e seu amado, o herói e seu amigo, o herói e seu companheiro.

Mas seu amante já não caminha mais nesse mundo. E ainda que caminhe, não caminha mais ao seu lado, não. Ele nem sequer compartilha das pilhagens de sua vitória como tampouco lê estas linhas desesperadas que seu amigo lhe escreve. Ainda que essas linhas sejam tão dolorosas de se escrever quanto uma batalha corpo a corpo é dura de ser travada. Ainda que os espinhos de uma rosa possam estar encharcados de um veneno poderoso e mortal, disfarçado com o doce aroma da flor, possa ser uma arma terrivelmente mortal, a dor de perder um amigo é maior. É maior pois não se espera que isso aconteça. Se imagina que as vitórias serão compartilhadas um com o outro. Mas no momento da derrota, ele se foi. E no momento do contra-ataque desesperado, ele não está mais ali. E quando a vitória finalmente se revela espledorosa e gloriosa em resplandecentes vestes douradas, ela se esvai como a areia voa pelo deserto, arrastada para longe pelo furioso vento da sorte. E o amigo? se foi, levado pelo mesmo vento, e hoje é menos real do que a sombra das pessoas que passam por todos os lados compartilhando suas vitórias. É ai que o herói percebe que apenas seu amor fora tirado dele. Os outros ainda estão contentes. E ai é onde a sorte satisfaz toda sua perniciosa luxúria. e se contorce de prazer malicioso, em ver o herói se desperar em sua solidão. 

Por fim, sem ter mais sentido em prolongar sua vida, com suas conquistas no auge, mas sentindo-se tão vazio quanto no dia em que partira em sua jornada, o herói sucumbe nos braços miseráveis e femininos da morte. Essa que se mostra sensual em sua beleza mortal, mas nem assim desperta o interesse do herói que até no seu leito de morte, envenenado com seu próprio sangue, só consegue pensar naquele amigo, naquele amante, que o acompanhou em parte de sua jornada. Com a morte de nosso heróico imperador, bravo conquistador do trono, que tão gloriosamente arrancara a soberania do tirano que açoitava seu povo com julgo terrivelmente pesado, um novo e jovem cavaleiro sobe ao trono. Não é o filho de nosso herói. Este jamais se rebaixaria a dar-se a mulher alguma. Mas seu sobrinho. Ou filho de seu primo. Não importa, mas eis que surge um novo alvo para divertir a sorte, que entediada entregou seu último brinquedinho nos braços se sua amiga, a morte. Agora ela se ocupará do jovem aprendiz de herói. Dará a ele um novo amado, tão viril e belo que ele logo se entregará de corpo, alma e coração a esse amante irresistivel, somente para tirar dele de forma brutal como fizeram com seu último herói. Com vem fazendo a séculos, e como continuará fazendo por todo o sempre, tentando saciar seu desejo insaciável pelo sofrimento e pelo desespero do homem. E  mais uma vez a sorte gira sua roda da vida, para definir quais serão os artificios usados para destruir nosso belo, jovem e inesperiente herói. E nosso herói qua agora se encontra no passado, apagado pelo manto da morte, assiste ao triste fim de seu sucessor, assim como os heróis que o sucederam desde a a criação do mundo assistiram a sua humilhante derrota. Esperando ansiosamente pelo dia em que alguém, num golpe, arrancará a roda da vida das mãos dessa criança mimada que é a sorte, e a lançando no chão, destruirá esse circulo vicioso de alegrias e amarguras que é a jornada dos heróis.

O fortuna
Velut luna
Statu variabilis,
Semper crescis
Aut decrescis;
Vita detestabilis
Nunc obdurat
Et tunc curat
Ludo mentis aciem,
Egestatem,
Potestatem
Dissolvit ut glaciem.

Ó fortuna
És como a lua
Mutável,
Sempre aumentas
E diminuis;
A detestável vida
Ore escurece
E ora clareia
Por brincadeira a mente;
Miséria,
Poder,
Ela os funde como gelo.


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