domingo, 15 de maio de 2016

Changin' Cap. 05, Impaciência

05. Impaciência
Assim que cheguei em casa estava sentindo a minha consciência um pouco pesada, pela mentira. Já que minha mãe só chegaria a noite e eu não costumava preparar o almoço nem mesmo para mim. Claro que isso mudaria depois que o Shinitt chegasse, mas até lá eu me manteria através de lanches rápidos. Depois que entrei, subi diretamente e coloquei a mochila em cima da cadeira de escritório no meu quarto. Desci e fui diretamente a cozinha, procurar algo para comer, pois aquele shake não fora suficiente e eu sempre me recusei a comer na escola.
                        Abri a geladeira a procura de algo  e olhei diretamente para os ingredientes de sanduíche a mostra logo na frente da prateleira. Fechei a geladeira equilibrando uma pilha de comida e me culpando por querer preparar algo tão calórico. Felizmente o treinamento que eu pretendia retomar aquela tarde daria cont dos carboidratos que estava prestes a ingerir. Olhei a porta da geladeira e notei um pequeno Post-it grudado na porta. Não foi necessário sair da mesa para ler, mesmo que ele estivesse bem longe.

“Kaoru, nada de lanches rápidos, faça algo decente para comer”
           
Aparentemente minha mãe se preocupava mais com minha alimentação agora do que antes. Claro que isso devia ser o efeito dos nutricionistas que trabalhavam com ela no Buffet de luxo. Eu devia algo a eles. Mas provavelmente só um lanchinho não faria mal. Olhei para o prato a minha frente e olhei novamente para a geladeira. Decidi preparar o almoço. Quando minha mãe chegou a noite eu já tinha preparado tudo também.
Quando terminei com isso, levei os livros que estavam sob a mesa para cima. Antes de começar o dever de casa, vesti um moletom seco, deixei o cabelo molhado caindo nas costas e verifiquei o meu e-mail. Tinha três mensagens. Uma propaganda, um aviso da transferência de minhas assinaturas de mangás e revistas e uma mensagens do Shinitt.
“Kaoru”, escreveu ele...

Escreva-me assim que puder. Conte como foi seu primeiro dia de aula. Está chovendo? Já estou  com saudade. Estou quase terminando as malas, mas não consigo encontrar meus óculos grandes, sabe onde eu os coloquei? Estou começando a me preocupar com a escola, ninguém te agradou ai não, né?
Chego no final da semana, sábado.
Lembranças. Shinitt

Olhei o relógio, talvez os deveres pudessem esperar. Comecei.

"Shin,
Está tudo ótimo. É claro que está chovendo. Eu estava esperando algo para escrever. A escola não é ruim, só meio repetitiva.  Falta você aqui.
Seus óculos estão no reparo – Você os quebrou, lembra? – Devia ter pego na sexta-feira.
Também estou com  saudades. Vou escrever novamente logo.
Relaxe, respire fundo. Eu te amo
Kaoru."

Eu tinha decidido reler o Morro dos ventos uivantes - o romance que estávamos estudando no curso de inglês – só por prazer, e segundo Núria, eu tinha que entregar um relatório manuscrito sobre a obra no fim da semana, decidi então começar a fazer para que eu não tivesse problemas depois.
Alguns minutos depois o meu celular tocou. Era Shinitt, que se sentia sozinho e queria conversar.
Depois que nos falamos eu estava com sono – pois já passava da meia noite – e obviamente eu não tinha mais disposição para estudar.
Acordei mais cedo do que o necessário na manhã seguinte, pretendia colocara a agenda em dia e iniciar o relatório que eu não começara na noite anterior.
Cheguei a escola mais cedo também. Poucas pessoas tinham chegado aquela hora, fiquei alguns minutos ouvindo música no celular e rabiscando preguiçosamente na última folha do caderno.Ouvi passos silenciosos e uma respiração calma se aproximando mas permaneci do mesmo modo. Identifiquei como sendo de alguém que estava no primeiro andar, mas não me recordei do rosto.
- Você não é o tal Fuchoin? – Perguntou uma voz de homem.
Olhei para cima e vi um rapaz bonito com cara de jogador de futebol, o cabelo louro-claro cuidadosamente penteado com gel em pontas arrumadinhas, de olhos azuis e sorrindo para mim de maneira simpática.
- Kaoru – Eu acrescentei, com um sorriso, não sei dizer se ele era da minha turma.
- Meu nome é Pedro.
- Oi, Pedro.
- Eu faltei na aula de ontem e algumas pessoas me contaram sobre você. Sou o representante de turma. Se tiver algum problema com qualquer coisa é só falar para mim – Ele se sentou na carteira em que eu estava, parecia que fazia o tipo atleta amigável, me perguntei o que, além do fato de ele ser representante, o faria vir falar comigo.  Conversamos um pouco, alguns alunos chegaram e depois aula começou. Núria e ele faziam uma dupla interessante, não estavam se forçando a falar comigo, eram espontâneos. Mas Pedro tinha sido a pessoa mais simpática que eu conheci aqui.
Quando o intervalo começou, no final da terceira aula eu me levantei, para tirar uma Xerox.
- Onde você vai?
-Quero tirar a Xerox que o professor pediu...
-É só para daqui a três semanas.
-Sei disso, mas vou fazer hoje.
-Ok, tudo bem...
Então fomos juntos. Ele era um tagarela – alimentou parte da conversa sozinho, o que facilitou para mim. Tinha morado no Rio até os 10 anos, então sabia como eu me sentia com relação a cidade. Por acaso também morávamos na mesma rua. Ele era do time de futebol da escola, e era o tipo de pessoa que faria amizade com Shinitt facilmente.
Conversamos um pouco pelo resto de aula. Me preocupei se isso não poderia prejuicá-lo, mas aparentemente ele não se preocupava. Não poderia me prejudicar, pois eu já tinha visto todas as matérias que estavam sendo estudadas aqui. Houve um teste relâmpago na quinta aula, sobre Escolas Literárias, foi muito fácil, muito simples. Percebi que alguns alunos se desesperaram.
No término da aula, eu me despedi de Núria e esperei Pedro na porta da sala, notei que os dois faziam um casal interessante, e ele obviamente gostava dela. Perguntei-me se esse não fora o motivo de ele ter resolvido falar comigo hoje cedo.
-Vamos?
            -Há... Podemos esperar um minuto? – Ele disse quando terminamos de descer as escadas, ele encostou-se a uma mesa que estava na porta de umas das primeiras salas  da escola – Estou esperando um amigo trazer um livro que eu emprestei...
            -Tudo bem, acho.
            -Sabe que horas são?
            - Quinze para uma – Informei ao olhar.
Lembrei que não tinha organizado ainda as folhas que tinha tirado na Xerox, coloquei o celular na mesa e a mochila do lado, organizando cuidadosamente os papéis. Ele me olhou curiosamente.
 - Você tem mania de organização? – Pareceu curioso.
 -Bom, sim... – Respondi envergonhado. Duas folhas escorregaram de onde estavam e eu me abaixei para pegá-las. Ele riu.
-Olha ele ali - Olhei para ver de quem ele falava. Era um rapaz alto, com alguns problemas de pele e cabelo escuro, bem escuro. Pedro já estava perto dele, com a mão a mão em direção ao livro. O garoto me olhava de um jeito estranho.
Ele pegou o livro e fomos embora.
-Mas e então, você tem gostado daqui?
-É bem diferente, mas acho que posso me acostumar.
Andamos em silêncio o resto do caminho. Ele apenas reclamou de estar com fome. Isso deve fazê-lo ficar em silêncio.
Imperceptivelmente e sem motivo aparente eu comecei a sentir mais falta do Shinitt. Provavelmente o fato de eu estar ali, andando com um desconhecido, me fez lembrar de quando caminhávamos no calçadão do bairro. Isso fez com que eu me sentisse muito impaciente com sua chegada.
Nos despedimos, pois sua casa ficava um pouco antes da minha, e continuei caminhando pensativo até me aproximar de casa. Um cachorro grande latiu alto para mim enquanto eu passava por ele. Automaticamente coloquei a mão no sino de gato. Eu sempre detestei cães. Infelizmente a demonstração das habilidades da Escola Fuchoin não foi necessária. O dono do cachorro puxara sua coleira e olhara para minha mão – que segurava o sino – como seu eu fosse maluco, no sentido literário da palavra.
Aquela noite foi silenciosa. Dormi rapidamente. Exausto.
O resto da semana foi absurdamente estressante. Eu já tinha me acostumado com a rotina das aulas e os olhares estranhos do alunos, que não mudaram nem um pouco desde que cheguei.Na sexta-feira, conseguia reconhecer, senão pelo nome, quase todos os alunos da escola. Na educação física, os meninas da minha turma aprenderam a me passar a bola sempre que podiam, já que eu era o melhor do time de vôlei. Eu tinha resolvido entrar para o time de vôlei, que era formado basicamente por garotas, pois eu nunca gostei de futebol e os rapazes não gostaria de um cabelo tão grande batendo em seus rostos a cada vez que me mexesse. Contudo a demora da chegada de Shinitt estava me deixando de mau humor. Eu, e minha mãe, sabíamos que eu ficaria assim, então, na sexta ela ligou e pediu que eu não preparasse o jantar, pois ela demoraria voltar. 
Como ele chegaria no outro dia, pela tarde, decidi arrumar a casa  - Não que houvesse um único vaso de flores fora do lugar. Por capricho  eu fui até a floricultura e comprara vários arranjos novos para substituir os outros, que ironicamente ainda estavam perfeitos. Mesmo com a TV recém instalada eu não consegui controlar minha impaciência. Eu já estava a muito tempo me segurando para não pular no chão e gritar de raiva como um garoto de cinco anos.
Somente consegui me acalmar quando entrei no carro, com destino ao aeroporto, na outra cidade. A viagem foi calma, contudo minha pressa aumentava.
Quando cheguei eu fui rapidamente para o local de espera. Antes mesmo que minha mãe fechasse o carro.
-Pode me fazer o favor de esperar?O vôo só chega daqui 30 minutos.
-Ele pode ter se adiantado.
-Vindo do Rio? Eu duvido.
Ela tinha razão, nós esperamos por quase 40 minutos até que o víssemos.
Depois disso tudo mudara. Uma semana passara desde que nos separamos. Apenas uma semana. Muito e pouco tempo ao mesmo tempo. Esses sete ou oito dias pareceram meses.  Meses de angústia. As pessoas que eu conheci aqui eram legais, mas em nenhum momento em me senti realmente e casa.Agora eu entendi, eu finalmente entendi, não era a cidade parada ou a casa nova, eu me sentiria me casa quando estivéssemos juntos, não importando onde, ou como.
Caminhei rapidamente em sua direção e ele também. Sorríamos, quando mais nos aproximávamos tínhamos certeza que estávamos caminhando para o que queríamos, para o que gostávamos. Estávamos caminhando para o nosso recomeço.
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