05. Impaciência
Assim
que cheguei em casa estava sentindo a minha consciência um pouco pesada, pela
mentira. Já que minha mãe só chegaria a noite e eu não costumava preparar o
almoço nem mesmo para mim. Claro que isso mudaria depois que o Shinitt
chegasse, mas até lá eu me manteria através de lanches rápidos. Depois que
entrei, subi diretamente e coloquei a mochila em cima da cadeira de escritório
no meu quarto. Desci e fui diretamente a cozinha, procurar algo para comer,
pois aquele shake não fora suficiente e eu sempre me recusei a comer na escola.
Abri
a geladeira a procura de algo e olhei
diretamente para os ingredientes de sanduíche a mostra logo na frente da
prateleira. Fechei a geladeira equilibrando uma pilha de comida e me culpando
por querer preparar algo tão calórico. Felizmente o treinamento que eu
pretendia retomar aquela tarde daria cont dos carboidratos que estava prestes a
ingerir. Olhei a porta da geladeira e notei um pequeno Post-it grudado na
porta. Não foi necessário sair da mesa para ler, mesmo que ele estivesse bem
longe.
“Kaoru,
nada de lanches rápidos, faça algo decente para comer”
Aparentemente
minha mãe se preocupava mais com minha alimentação agora do que antes. Claro
que isso devia ser o efeito dos nutricionistas que trabalhavam com ela no
Buffet de luxo. Eu devia algo a eles. Mas provavelmente só um lanchinho não
faria mal. Olhei para o prato a minha frente e olhei novamente para a
geladeira. Decidi preparar o almoço. Quando minha mãe chegou a noite eu já
tinha preparado tudo também.
Quando
terminei com isso, levei os livros que estavam sob a mesa para cima. Antes de
começar o dever de casa, vesti um moletom seco, deixei o cabelo molhado caindo
nas costas e verifiquei o meu e-mail. Tinha três mensagens. Uma propaganda, um
aviso da transferência de minhas assinaturas de mangás e revistas e uma
mensagens do Shinitt.
“Kaoru”,
escreveu ele...
Escreva-me
assim que puder. Conte como foi seu primeiro dia de aula. Está chovendo? Já
estou com
saudade. Estou quase terminando as malas, mas não consigo encontrar meus óculos
grandes, sabe
onde eu os coloquei? Estou começando a me preocupar com a escola, ninguém te
agradou ai não,
né?
Chego
no final da semana, sábado.
Lembranças. Shinitt
Olhei o
relógio, talvez os deveres pudessem esperar. Comecei.
"Shin,
Está tudo ótimo. É claro que está chovendo. Eu estava
esperando algo para escrever. A escola não é ruim, só meio repetitiva.
Falta você aqui.
Seus óculos estão no reparo – Você os quebrou, lembra? –
Devia ter pego na sexta-feira.
Também estou com
saudades. Vou escrever novamente logo.
Relaxe, respire fundo. Eu te amo
Kaoru."
Eu
tinha decidido reler o Morro dos ventos
uivantes - o romance que estávamos estudando no curso de inglês – só por
prazer, e segundo Núria, eu tinha que entregar um relatório manuscrito sobre a
obra no fim da semana, decidi então começar a fazer para que eu não tivesse
problemas depois.
Alguns
minutos depois o meu celular tocou. Era Shinitt, que se sentia sozinho e queria
conversar.
Depois que
nos falamos eu estava com sono – pois já passava da meia noite – e obviamente
eu não tinha mais disposição para estudar.
Acordei
mais cedo do que o necessário na manhã seguinte, pretendia colocara a agenda em
dia e iniciar o relatório que eu não começara na noite anterior.
Cheguei
a escola mais cedo também. Poucas pessoas tinham chegado aquela hora, fiquei
alguns minutos ouvindo música no celular e rabiscando preguiçosamente na última
folha do caderno.Ouvi passos silenciosos e uma respiração calma se aproximando
mas permaneci do mesmo modo. Identifiquei como sendo de alguém que estava no
primeiro andar, mas não me recordei do rosto.
- Você
não é o tal Fuchoin? – Perguntou uma voz de homem.
Olhei
para cima e vi um rapaz bonito com cara de jogador de futebol, o cabelo
louro-claro cuidadosamente penteado com gel em pontas arrumadinhas, de olhos
azuis e sorrindo para mim de maneira simpática.
- Kaoru
– Eu acrescentei, com um sorriso, não sei dizer se ele era da minha turma.
- Meu
nome é Pedro.
- Oi, Pedro.
- Eu
faltei na aula de ontem e algumas pessoas me contaram sobre você. Sou o
representante de turma. Se tiver algum problema com qualquer coisa é só falar
para mim – Ele se sentou na carteira em que eu estava, parecia que fazia o tipo
atleta amigável, me perguntei o que, além do fato de ele ser representante, o
faria vir falar comigo. Conversamos um
pouco, alguns alunos chegaram e depois aula começou. Núria e ele faziam uma
dupla interessante, não estavam se forçando a falar comigo, eram espontâneos.
Mas Pedro tinha sido a pessoa mais simpática que eu conheci aqui.
Quando
o intervalo começou, no final da terceira aula eu me levantei, para tirar uma
Xerox.
- Onde
você vai?
-Quero
tirar a Xerox que o professor pediu...
-É só
para daqui a três semanas.
-Sei disso,
mas vou fazer hoje.
-Ok,
tudo bem...
Então
fomos juntos. Ele era um tagarela – alimentou parte da conversa sozinho, o que
facilitou para mim. Tinha morado no Rio até os 10 anos, então sabia como eu me
sentia com relação a cidade. Por acaso também morávamos na mesma rua. Ele era
do time de futebol da escola, e era o tipo de pessoa que faria amizade com
Shinitt facilmente.
Conversamos
um pouco pelo resto de aula. Me preocupei se isso não poderia prejuicá-lo, mas
aparentemente ele não se preocupava. Não poderia me prejudicar, pois eu já
tinha visto todas as matérias que estavam sendo estudadas aqui. Houve um teste
relâmpago na quinta aula, sobre Escolas Literárias, foi muito fácil, muito
simples. Percebi que alguns alunos se desesperaram.
No
término da aula, eu me despedi de Núria e esperei Pedro na porta da sala, notei
que os dois faziam um casal interessante, e ele obviamente gostava dela. Perguntei-me
se esse não fora o motivo de ele ter resolvido falar comigo hoje cedo.
-Vamos?
-Há...
Podemos esperar um minuto? – Ele disse quando terminamos de descer as escadas,
ele encostou-se a uma mesa que estava na porta de umas das primeiras salas da escola – Estou esperando um amigo trazer
um livro que eu emprestei...
-Tudo
bem, acho.
-Sabe
que horas são?
-
Quinze para uma – Informei ao olhar.
Lembrei
que não tinha organizado ainda as folhas que tinha tirado na Xerox, coloquei o
celular na mesa e a mochila do lado, organizando cuidadosamente os papéis. Ele
me olhou curiosamente.
- Você tem mania de organização? – Pareceu
curioso.
-Bom, sim... – Respondi envergonhado. Duas
folhas escorregaram de onde estavam e eu me abaixei para pegá-las. Ele riu.
-Olha
ele ali - Olhei para ver de quem ele falava. Era um rapaz alto, com alguns
problemas de pele e cabelo escuro, bem escuro. Pedro já
estava perto dele, com a mão a mão em direção ao livro. O garoto me olhava de
um jeito estranho.
Ele
pegou o livro e fomos embora.
-Mas e
então, você tem gostado daqui?
-É bem
diferente, mas acho que posso me acostumar.
Andamos
em silêncio o resto do caminho. Ele apenas reclamou de estar com fome. Isso
deve fazê-lo ficar em silêncio.
Imperceptivelmente
e sem motivo aparente eu comecei a sentir mais falta do Shinitt. Provavelmente
o fato de eu estar ali, andando com um desconhecido, me fez lembrar de quando
caminhávamos no calçadão do bairro. Isso fez com que eu me sentisse muito
impaciente com sua chegada.
Nos
despedimos, pois sua casa ficava um pouco antes da minha, e continuei
caminhando pensativo até me aproximar de casa. Um cachorro grande latiu alto
para mim enquanto eu passava por ele. Automaticamente coloquei a mão no sino de
gato. Eu sempre detestei cães. Infelizmente a demonstração das habilidades da
Escola Fuchoin não foi necessária. O dono do cachorro puxara sua coleira e
olhara para minha mão – que segurava o sino – como seu eu fosse maluco, no
sentido literário da palavra.
Aquela
noite foi silenciosa. Dormi rapidamente. Exausto.
O resto
da semana foi absurdamente estressante. Eu já tinha me acostumado com a rotina
das aulas e os olhares estranhos do alunos, que não mudaram nem um pouco desde
que cheguei.Na sexta-feira, conseguia reconhecer, senão pelo nome, quase todos
os alunos da escola. Na educação física, os meninas da minha turma aprenderam a
me passar a bola sempre que podiam, já que eu era o melhor do time de vôlei. Eu
tinha resolvido entrar para o time de vôlei, que era formado basicamente por
garotas, pois eu nunca gostei de futebol e os rapazes não gostaria de um cabelo
tão grande batendo em seus rostos a cada vez que me mexesse. Contudo a demora
da chegada de Shinitt estava me deixando de mau humor. Eu, e minha mãe,
sabíamos que eu ficaria assim, então, na sexta ela ligou e pediu que eu não
preparasse o jantar, pois ela demoraria voltar.
Como
ele chegaria no outro dia, pela tarde, decidi arrumar a casa - Não que houvesse um único vaso de flores
fora do lugar. Por capricho eu fui até a
floricultura e comprara vários arranjos novos para substituir os outros, que
ironicamente ainda estavam perfeitos. Mesmo com a TV recém instalada eu não
consegui controlar minha impaciência. Eu já estava a muito tempo me segurando
para não pular no chão e gritar de raiva como um garoto de cinco anos.
Somente
consegui me acalmar quando entrei no carro, com destino ao aeroporto, na outra
cidade. A viagem foi calma, contudo minha pressa aumentava.
Quando
cheguei eu fui rapidamente para o local de espera. Antes mesmo que minha mãe
fechasse o carro.
-Pode
me fazer o favor de esperar?O vôo só chega daqui 30 minutos.
-Ele
pode ter se adiantado.
-Vindo
do Rio? Eu duvido.
Ela
tinha razão, nós esperamos por quase 40 minutos até que o víssemos.
Depois
disso tudo mudara. Uma semana passara desde que nos separamos. Apenas uma
semana. Muito e pouco tempo ao mesmo tempo. Esses sete ou oito dias pareceram
meses. Meses de angústia. As pessoas que
eu conheci aqui eram legais, mas em nenhum momento em me senti realmente e
casa.Agora eu entendi, eu finalmente entendi, não era a cidade parada ou a casa
nova, eu me sentiria me casa quando estivéssemos juntos, não importando onde,
ou como.
Caminhei
rapidamente em sua direção e ele também. Sorríamos, quando mais nos
aproximávamos tínhamos certeza que estávamos caminhando para o que queríamos,
para o que gostávamos. Estávamos caminhando para o nosso recomeço.
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