domingo, 28 de novembro de 2021

Em cima da cama

Mais um dia que não saí da cama, mais um dia resumido a me revirar de um lado a outro, mais um dia que passou sem que eu o vivesse e, pior ainda, mais um dia que passou e eu fiquei consciente dele todo o tempo. Não quero apelar tanto aos remédios, que já precisam de uma alta dose pra me apagar, e então alguns dias eu sou obrigado a ficar acordado, vendo o tempo passar lentamente, olhando pro teto, esperando alguma coisa acontecer.

Parece irreal, se pensar quantas coisas uma pessoa faz num dia, e eu ter passado o dia todo deitado, com a mente vagando em qualquer lugar, ouvindo incontáveis músicas as quais não prestei atenção, o calor incomodando, o barulho incomodando, mas nada capaz de me tirar dali. 

As pessoas se empolgaram com uma partida importante de futebol no final da tarde, pude ouvir desde as pessoas da minha casa até os vizinhos gritarem empolgados, felizes por alguma realização, e enquanto os ouvia eu pensava que nada no mundo poderia me deixar tão empolgado. E foi uma constatação difícil.

Minha mãe ainda aposta no meu tratamento. Eu só tomo os remédios na esperança de que não piore, muito. Mas já não acredito que possa levar uma vida normal. Me vejo como alguém quebrado, com um defeito, uma imperfeição fundamental que me torna um pária. 

"Tudo há seu tempo" repetem sem parar, e eu vejo que para os outros isso é verdade, quantos já não conquistaram o mundo aos 26 anos? Eu conquistei receitas médicas com prescrições de remédios psiquiátricos e já não sou capaz de fazer o que antes fazia bem, as poucas coisas que fazia bem. 

Já não sou capaz de ficar no altar sem uma crise de pânico na noite anterior, já não dou aulas ou palestras, já não sou insubstituível. 

Como as coisas chegaram a esse ponto? Como fui ficar gordo, irreconhecível, e sem ânimo pra sair da cama durante dias inteiros? 

Eu sei que fazer alguma coisa poderia me ajudar, arrumar um trabalho poderia ser um bom começo, mas eu penso, e quando vier a primeira depressão e eu não conseguir levantar? Quem vai entender? E então eu torno a ficar paralisado, como num circulo vicioso, infernal, um ourobouros. 

Ainda me assusto ao pensar em como fiquei, e mais assustado ainda em perceber que não conheço solução. E, porca miséria, ainda mais assustado em imaginar que isso pode ser assim pro resto da minha vida. 

E quando meus pais não estiverem mais aqui? Isso pode acontecer amanhã mesmo, eles podem nem sequer acordar. E quando ninguém puder pagar minha terapia? E quando ninguém mais comprar comida pra casa? Eu vou continuar sem forças ou ali eu vou descobrir como é que todas as pessoas conseguem sobreviver nesse mundo terrível? 

A possível resposta a cada uma dessas questões é mais apavorante do que as próprias perguntas. E eu prevejo que ficarei mais dias paralisado por elas. 

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