segunda-feira, 1 de novembro de 2021

O Círculo Infernal

Na verdade é uma lição que eu já deveria ter aprendido há tempos: de nunca, nem mesmo no mais alto pico de mania, alimentar esperanças quanto ao outro. É uma afirmação empiricamente verdadeira na minha vida, que tem a força de um mandamento divino, um imperativo categórico. 

Maldito o homem que confia em outro homem, tudo o que podemos esperar do outro é o escarnecer, a indiferença ou a traição. Do homem não vem bem algum, senão que todo bem que o homem faz vem de Deus. Nós somos apenas criaturas vis, pequenas. Os homens são apenas máquinas de destruição de esperanças, o mundo é um moinho, dizia o velho Cartola, e vai triturar os seus sonhos tão mesquinho. O mundo nos tritura e nos reduz aquilo que somos de verdade: pó. 

E eu mesmo cavo os buracos nos quais eu caio e me machuco, maldito coração que não se fechou completamente, maldito seja você que gosta de sofrer, que se enche de esperança ao menor sinal de afeto, porque você é uma criatura patética que vive de mendigar afeto dos outros, sem nunca sentir-se amado, querido, importante.

Em casa você é um peso, para seus amigos é descartável, para a igreja é só mais um que não faz nada que qualquer um outro não pudesse fazer. Você é apenas isso, pó. Mas antes de voltar ao pó eu coleciono decepções e sentimentos sinceros. Coleciono fracassos, estampados na minha mente, ou quem sabe no meu corpo. As minhas tatuagens podem ser símbolo também de cada um dos meus fracassos: no amor, na pureza, na busca pela Verdade. 

No fim eu sou só um vagabundo morando na casa dos pais aos 26 anos, deprimido demais pra conseguir um emprego, viciado em remédios pra dormir e que consegue afastar todos os amigos, e que se decepciona quando um estranho não responde a mensagem que eu enviei em tom paternalista. Mais patético do que isso a minha mente literária não consegue conceber. 

Beber pra aliviar um pouco do cansaço do dia, depois das obrigações que ninguém viu que eu fiz e eu, por ser homem fraco, me decepciono por não ser reconhecido, quando não deveria buscar reconhecimento algum entre pessoas tão patéticas quanto eu. Deveria querer ser humilhado e desprezado por todos, como foi o meu mestre S. João da Cruz, homem de tão grande estatura que sequer deveria ousar chamá-lo de mestre, mas com o qual não posso impedir de me identificar vivendo nessa grande noite escura, de amor em vivas ânsias inflamada. 

E o meu ardente coração decidiu dar-se sem cessar, sem que eu nem mesmo percebesse, e esse foi o motivo da queda no abismo que eu cavei com meus próprios pés. Alguém me tira daqui, eu não consigo mais viver com essa dor! 

Estou preso nesse circulo infernal, tentando me libertar dessa necessidade tola do outro, tentando sem sucesso viver sem precisar que a minha identidade seja afirmada pelo outro. Mas eu me sinto preso, como um ourobouros, devorando-me  pela minha própria cauda em busca de algo que eu deveria ter por minha própria conta mas por ser incompleto eu não consigo. Mas eu sei que isso não é verdade, eu sou um todo, completo e integral e não preciso do outro pra afirmar a minha existência, eu devo ser a fera que grita Eu no coração do mundo e, no entanto, continuo cheio de angústia e tentando definir o meu eu sem o outro. E continuo deixando o outro me ferir, uma vez mais e mais, sem enxergar o fim desse circulo infernal...

Na verdade é uma lição que eu já deveria ter aprendido há tempos: de nunca, nem mesmo no mais alto pico de mania, alimentar esperanças quanto ao outro. É uma afirmação empiricamente verdadeira na minha vida, que tem a força de um mandamento divino, um imperativo categórico: o outro sempre vai decepcionar, abandonar, trair, e isso nunca, nunca, vai mudar. 

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