segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Tortura, vermes e feras

Alguns dias não merecem ser vividos, simplesmente não há vontade em mim para sair da cama e ver as pessoas. Alguns dias apenas devem ser pintados no calendário como um dia que já se foi, não sendo mais do que um estorvo ser obrigado a viver o dia todo. 

Não eu não vejo cada dia como um presente senão como uma enorme enchimento de saco, não é uma dádiva, é uma tortura sem fim, um suplício tremendo e eu, das profundezas, clamo pela libertação. 

Alguns dias não são mais do que dias pra encher a cara e não ver a hora passar. Acordar e ver que o dia passou é um alívio tremendo, melhor do que ficar mofando na cama esperando cada hora passar lentamente, como uma roda de tortura. 

Talvez algum eu me arrependa e queira ver o tempo passar mais devagar, talvez algum dia eu dê valor ao tempo e olhe com pesar pra tantas tardes perdidas. Mas quando esse momento chegar eu só vou ter ainda mais certeza de que o universo, sendo indiferente a todos, não trabalha pela felicidade, já que quando tenho tempo amaldiçoo e, quando ele passa, queremos que ele volte. É uma roda de tortura, onde não há fuga. O gnosticismo em sua fonte mais pura.

X

Fui tirar algumas fotos pra renovação de um documento e me vi apaixonado pelo jovem fotógrafo que me atendeu. Belíssimo. Novinho. Meu número. Mas então, piscianisticamente eu logo percebi que um homem bonito daquele jamais olharia pra mim, seria uma violação das leis naturais desse universo que dizem que tudo deve dar errado pra mim. Não, eu não sou capaz de vislumbrar um futuro onde um homem bonito olhe pra mim, muito pelo contrário, em todos os cenários futuros eu me encontro sozinho e abandonado, um pária, não muito diferente de hoje, mas com muitas rugas a mais e quem sabe ainda mais viciado em fugir da realidade do que agora, pois, se alguns dias pra mim me são um sufoco, talvez no futuro não suporte sequer o peso da existência, quem sabe não apele até mesmo pro suicídio, o findar dessa existência patética, uma libertação desse universo hostil. 

E enquanto isso eles se divertem, com essas garotas sem graça nenhuma que pra eles são o que há de melhor no mundo do prazer. Eu só posso observar a distância, sem jamais me aproximar, sem tocar, como obras de arte expostas num museu, longe do alcance das mãos dos transeuntes que não podem fazer mais do que admirar, e depois ir embora. 

Esse sou eu, aquele que para de frente a um belo jardim, grava aquela bela visão na mente e parte sem olhar para trás. O jardim pertence as borboletas e não a um parasita, um verme para o qual as pessoas viram o olhar horrorizadas, como eu. O universo é hostil e a humanidade é inviável. Não, isto está errado, a minha existência que é um erro. Uma falha na matrix. Uma criação do demiurgo. Um arremedo de aparência humana mas essência de fera. E nenhum homem se apaixona por uma fera.

Por isso alguns dias não merecem ser vividos, simplesmente não há vontade em mim para sair da cama e ver as pessoas. Alguns dias apenas devem ser pintados no calendário como um dia que já se foi, não sendo mais do que um estorvo ser obrigado a viver o dia todo. É melhor esquecer todas essas coisas. É melhor mergulhar no oceano onírico da dopada candura. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário