terça-feira, 9 de novembro de 2021

Meu Lugar

Não era de se surpreender que eu não conseguiria me manter longe da dopada candura por muito tempo. Ontem e hoje também, com doses cada vez maiores na tentativa de fugir dessa realidade, principalmente das relações humanas, incrivelmente complexas em suas ambivalências que me fazem paralisar diante de um quadro tão incrivelmente intrincado que não posso apreender sua totalidade e, por isso, prefiro ficar com apenas um recorte do todo, já que o todo é demais pra minha mente distorcida, cansada e pequena. 

Pensei estar fazendo a coisa certa, pensei estar ajudando, pensei que seria uma melhor solução. Mas o destino tinha outros planos, e isso significa que eles vão de encontro frontal contra tudo o que eu tinha planejado. Isso me mostra que talvez eu esteja no lugar errado, e por isso as coisas parecem sempre erradas, por isso tudo o que eu faço está errado, ainda que com a intenção certa. 

Talvez o melhor seja me afastar, contemplar o quadro com um pouco mais de distância e, vendo o todo, consiga recortar um outro trecho mais adaptado a mim, o meu lugar, onde eu deveria estar. 

Onde eu deveria estar? Onde precisam de mim, mas digo isso sem a conotação de que este seria o lugar onde seria exaltado. Talvez o lugar onde estou seja onde deva estar justamente por estar sendo humilhado e desprezado, como meu pai São João da Cruz pediu que fosse para ele e certamente para seus filhos. Mas infelizmente eu sou o menor de seus filhos, o mais indigno de me aproximar de seus altos ensinamentos, o único que não deveria atravessar a noite escura por não ser digno de me aproximar das delícias do jardim ao fim da jornada. 

Que eu seja humilhado e desprezado pelos homens, assim disse São João da Cruz como pedido a ser realizado até o fim de sua vida. Homem de grande talento místico, de estatura espiritual gigantesca almejando o último lugar. 

Percebo o quanto eu procuro também os holofotes, demonstrar aos outros que eu estou aqui, que eu sou alguém, seja na alegria ou na tristeza mais profunda, eu quero ser notado, como se minha existência dependesse do outro atestá-la. É isso que devo mudar em mim, o único a quem devo ser importante é Cristo, que quer eu seja o menor como ele foi, se fazendo servo e servindo a todos. Mas isso não seria também vaidade, ou escrúpulos? Questionamentos para os quais não tenho resposta. 

Mas eu não queria que as coisas fossem assim, preferiria que descontassem em mim do que nos outros. Só queria que tudo corresse bem, que cada liturgia fosse uma fração da liturgia celeste, que pudéssemos ver os anjos cantando conosco os louvores eternos. Só queria que a beleza salvasse o mundo, com minha ajuda. Mas parece-me que este não é meu lugar. Parece que tudo o que eu faço está errado e que sempre tem consequências negativas, até pra quem eu gostaria que tivesse boas impressões de mim, que gostasse de mim... Então, qual é o meu lugar? Onde eu deveria estar? 

Todos os dias os mesmos erros, decepcionando quem eu gostaria de impressionar. Toda dia a mesma rotina truncada, permeada de muitas horas contemplando o abismo da minha existência, amaldiçoando o ser, errando tentando acertar. Querendo dormir, querendo sumir, desaparecer como folhas ao vento, não sentir medo, ou atração, não sentir nada. Nem apego ao passado ou ansiedade pelo futuro, nada. 

Por isso eu recorro a esses subterfúgios, porque é mais fácil ir até o mundo onírico donde não me lembro de nada do que viver aqui a mercê de caprichos e humilhações da minha vontade. Por isso tantas vezes eu queria dormir e não acordar mais...

Não era de se surpreender que eu não conseguiria me manter longe da dopada candura por muito tempo. Ontem e hoje também, com doses cada vez maiores na tentativa de fugir dessa realidade, principalmente das relações humanas, incrivelmente complexas em suas ambivalências que me fazem paralisar diante de um quadro tão incrivelmente intrincado que não posso apreender sua totalidade e, por isso, prefiro ficar com apenas um recorte do todo, já que o todo é demais pra minha mente distorcida, cansada e pequena. 

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