sábado, 6 de novembro de 2021

Sem lucidez

Silêncio

Lá se foi aquela lucidez que tinha em meu olhar, de volta às lentes sépia, lá se foram as cores, estou de volta para a névoa que me envolve. La se foi a força dos meus membros, eu ficando jogando como uma boneca de trapos, sem forças para levantar, para realizar os planos que tracei. É o início de um outro ciclo. Ou seria o fim? Já não sei mais onde estou nesse círculo infernal, nessa roda da fortuna que é a minha vida, girando sem parar, me fazendo sofrer e sorrir a cada giro ao redor de si mesma. Lá se foram os sorrisos e os "sim" que eu disse. Lá se foram as amizades perdidas, lá se foram cruzando a esquina... Lá se foi o semblante sorridente, o amigo que conseguia ouvir e entender, lá se foi aquela animação inexplicável.  

Vazio

Meu corpo não responde aos comandos mais básicos. Abrir os olhos e ver o teto branco descascando é tudo que eu consigo fazer. Está quente, mas eu não consigo tirar essa roupa apertada que me sufoca e nem essas cobertas encharcadas de suor por causa dos pesadelos que voltaram. Eu preciso sair daqui a pouco, firmei compromisso, mas eu não quero ver ninguém, não quero mexer naquela mesa de som idiota e nem ouvir broncas porque o microfone não está na altura certa, não quero lembrar que minha voz não é boa o suficiente, não quero lembrar que meu latim não basta porque eu não basto, eu sou fraco, tão fraco que nem consigo sair da cama e mesmo que a música que está tocando diga que tudo vai ficar bem eu não consigo acreditar nisso. 

Angústia

Eu queria não ter medo. Já estou velho demais pra temer a separação dos meus pais, e eu quero, tanto quanto eles, que se separem. Quero que sejam felizes, sem o peso um do outro pra carregar. Mas um e o outro não são os únicos pesos que eles carregam. E é por isso que eu temo toda a responsabilidade que vai cair sobre mim se isso acontecer. É por isso que meus joelhos tremem como se eu ainda tivesse doze anos quando penso que tudo ficará por minha conta de agora em diante. E que eu preciso encarar uma nova vida, num novo estado, sem saber se vou conseguir um trabalho que me assegure o mínimo de dignidade. No fim eu ainda sou uma criança de doze anos paralisada de medo.

Medo

As mentiras que contamos para nós mesmos com frequência são piores que as mentiras dos outros. Essas vêm do nosso íntimo, do lugar onde deveria haver aquilo que nos protege de toda dor. Mas é de lá que surgem os sonhos mais estapafúrdios, que nos cegam e nos desviam dos caminhos que devemos e podemos trilhar. A Verdade que deve guiar as nossas vidas deve vir primeiramente de nós mesmos. Ainda que doa, ainda que encará-la seja como encarar o próprio inferno. Mas isso é fácil de dizer, é até fácil de escrever, não acabei de fazê-lo? Agora, difícil é viver de acordo com essas verdade, sem os sonhos que nos alimentam, mas que também nos cegam. Parafraseando Pascal: os sonhos são as únicas coisas que nos consola de nossas misérias e, no entanto, são a nossa maior miséria. 

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