terça-feira, 29 de março de 2022

Por trás do caos

Uma onda desagradável de calor atingiu essa região nos últimos dias, tem estado abafado e desconfortavelmente quente. A vontade é de ficar na cama, mas o calor não deixa. Dias assim acabam me deixando inquieto e impaciente, sem que eu consiga me concentrar em algo e me dedicar com afinco. Tenho algumas obrigações na Igreja, por exemplo, que preciso adiar porque tenho estado incapaz de me concentrar pra resolver. 

Enquanto isso me dedico a pensar, pensar em algumas questões, como as razões por trás da obra caótica que eu escrevo, repleta da força sugestiva do meu coração mas também daquela confusão inerente as mentes atormentadíssimas. 

Experimentei uma outra noite insone, após dois concertos de piano de Rachmaninoff e um álbum do ABBA eu ainda estava desperto, preso em sonhos e pesadelos, imagens idílicas de um paraíso de belos homens gentis e imagens horríveis de guerras e doenças que destroem lares e obrigam as pessoas a se verem despidas de qualquer dignidade, como o Filho Pródigo a desejar se alimentar da comida dos porcos, quase uma figura que deixou de ser humana, que perdeu-se em meio a ganância. 

Mas, assim como na tela de Rembrandt havia um Pai a sua espera para abraçá-lo, em posição paternalista, e pronto a esquecer as traições cometidas pelo filho ingrato. 

Aquele filho viu-se sozinho, sem família ou amigos até abandonado pelo seu dinheiro, que logo se perdeu nas festividades do mundo. "Mil amigos conheci, disseram adeus, caiu a solidão em mim", diz uma música que eu gosto muito e que revela aquela mesma verdade que Clarice Lispector disse numa entrevista: a de que o adulto é triste e solitário. Aquele filho aprendeu essa lição e voltou aos braços do Pai, onde poderia experimentar um pouco de companhia. 

Mas, ao fim de tudo, continuamos sozinhos, mesmo que façam festa em torno de nós. No último dia, somente a nossa alma se apresentará diante do Justo Juiz, e somente o que essa alma for realmente valerá como testemunho contra seus pecados. 

O que eu sou verdadeiramente? O amor que sinto pela ordem e a verdade será levado em conta, porque se levarem em conta nossas faltas quem haverá de subsistir? 

E, depois disso, nossa condição de solitários será revogada? Encontraremos aquilo que falta em nós no sentido mais profundo do nosso ser? Conseguiremos preencher esse vazio que há bem no âmago de nossas almas e que tememos desde o nosso primeiro pensamento? As cortes angélicas nos farão companhia pelos séculos sem fim entoando seus hinos sublimes e nos ensinando os maiores segredos do cosmos com sua sabedoria infusa?

Que o adulto é triste e solitário eu já sei, mas o seremos sempre assim, ou encontraremos uma alma que possa se ligar a nossa de algum modo, diminuindo o vazio que sentimos no peito? Haverá para nós algum exílio nesse mundo?

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