quarta-feira, 5 de julho de 2023

Estação

Chegou o tempo da chuva, mais ou menos a época em que aqui vim morar aqui, e me lembro bem de me sentir ótimo ao ver os dias cinzas que se sucediam por várias semanas. Há três dias pelo menos não vemos o sol, nada daquele bafor quente e úmido dos primeiros meses do ano. Agora temos uma umidade fria, que enrijece o corpo, que toca a pele com violência num acesso de ventos cruzados que parecem vir de todos os lados. Como se a cidade de repente estivesse no meio de uma grande guerra entre Zéfiro e Bóreas, se digladiando brutalmente sem se importar com os pobres homens que caminham apressados e se refugiam em suas casas, esperando novamente os meses de luz e calor. 

Eu não espero o calor, gosto desse tempo, e gosto de saber que posso tirar do armário todos os casacos que comprei em Brasília e que usava por apenas uma semana por ano, e isso apenas até as oito da manhã. Aqui me sinto elegantemente vestido com lenços e cachecóis, muito embora o guarda-chuva seja incômodo de carregar, mas aprendi logo na primeira semana que passar o dia molhado não é nada legal.

E claro que sinto a atmosfera mais triste, as pessoas irritadas pelo céu fechado, enquanto eu simplesmente olho ao redor e sinto que finalmente me encaixo. O céu chora constantemente, a água escorre sem cessar das árvores, calhas e de tudo que esteja ao ar livre, e tudo se pinta de um cinza brilhante. As coisas, e a pele, ficam meio melequentas, é verdade, e isso somado ao vento frio dá a sensação de que vamos congelar, mas a pele não fica oleosa, não dói só de pensar em sair da rua e o sono, esse fica muito gostoso acompanhado de uma caneca borbulhante de chocolate quente ou de um bom vinho. 

Olhar pro horizonte e ver uma constante camada fina de gotículas caírem preguiçosamente, é algo belo mesmo de ser ver mas imagino que poucos parem pra observar, ainda mais em se tratando de uma cidade onde todos estão acostumados e até incomodados com a chuva. 

Gosto também da experiências que as caminhadas me proporcionam: as poças de água são espelhos nos mais diversos formatos que refletem os prédios e as pessoas que vão passando, e gosto de como olhando pra baixo consigo ver as coisas que acima da rua vão se movimentando, além daquele movimento das gotas caindo e espargindo no chão, um ritmo frenético e calmo ao mesmo tempo, e um ritmo que domina, que se espalha sem medo e sem nada que lhe possa impedir. 

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