quarta-feira, 5 de julho de 2023

Aforismos no umbral

Não dou opinião, não bato de frente e não opino. Ainda que me surpreenda a ignorância e a afetação das pessoas em se apegarem a tais coisas mínimas e dispensáveis enquanto o resto desmorona. Infelizmente senso das proporções não se aprende na escola e só se adquire quem quer. Que o mundo se exploda enquanto escuto música e a chuva cai sem parar lá fora. Para hoje escolhi Mozart, de novo o Réquiem (o que posso fazer se sou uma criatura de hábitos?) e o bom e velho Akeboshi, com seu som meio dissonante, um tantinho psicodélico e meio melancólico e, pra fechar, Nunew e a doçura de sempre.

Esse ciclo perpétuo, da água que continuamente se faz presente em vários pontos, se reestabelecendo, modificando sua forma... Ela cai pesadamente do céu durante alguns meses, ou apenas fica como essa faixa anuviada que parece turvar a visão. Ela escorre lentamente das calhas e pinga pinga das pontas soltas, dos galhos das árvores, as folhas brilham intensamente num verde forte, um dos meus favoritos. E a água, esse elemento da mudança, se adapta. Empurrar a puxar. Positivo e negativo. Enquanto os outros se impõem, se colocam a frente, eu me mantenho atrás, eu recuo, eu me calo. Não gosto de embates, porque eu sei que se me fizer ouvir, por um segundo que seja, será como um tsunami, e aí me dirão que fui exagerado. Enquanto isso a umidade da cidade continua me surpreendendo, continua brotando água como que borrifada da parede e isso me espanta (por favor me dê um desconto, em Valparaíso a umidade bate 20° e a gente passa óleo na pele). Então eu só fecho os olhos, penso nas gotas caindo e se abrindo nas poças, penso na maré que se espraia infinitamente... 

X

Não gosto quando percebem que o meu humor mudou. Na verdade não é bem a forma como as pessoas entendem o humor, não é a expressão que muda, mas simplesmente minha força que se esvai, e não há o que fazer, e as pessoas insistem que eu preciso me animar, como se dependesse de mim não estar animado pelo belo dia. Eu sei que o dia está lindo, mas eu não consigo fazer mais do que admirar de modo silencioso, cansado, na quietude do coração. Juro que eu queria poder contagiar a todos com alegria, queria ser positivo e um porto seguro sempre, mas em dias como esse, em que eu simplesmente acordo e tudo passa mais lentamente, o corpo pesa como se estivesse cansado, mas eu não estou, é porque algo mudou... E não há nada que eu possa fazer além de ouvir uma boa música, tomar um bom café e fechar os olhos, quietinho e fingindo que nem sequer existo, esperando que tudo passe. Que tudo passe... Que tudo passe... Mas até quando? 

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Você deve pensar que eu sou um maluco quando faço isso, quando não consigo acompanhar você, quando vou dormir de repente... É que as coisas começam aa ficar borradas, as palavras se misturam e eu mesmo perco as forças. Ontem fiquei um bom tempo deitado, olhando pro teto escuro e tentando te responder, mas eu não conseguia nem mesmo pegar o celular, quem dirá formar palavras. Tudo o que consegui foi dizer que te amo antes de entrar em um estado quase catatônico a noite toda e acordar hoje como se tivesse sido atropelado. Por favor, não faça como os outros que dizem que preciso me alegrar com o dia, eu sei que o dia está bonito e sei que preciso de energia, mas não é como seu pudesse me energizar com o sol. Quando eles dizem isso é como se me batessem, como se eu não reagisse por burrice...

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Você apontou uma verdade óbvia e bem básica, e é claro que eu sabia disso. Mas ainda assim, ver como ela é uma muralha de cristal que eu nunca vou conseguir quebrar ou superar, me fez sentir bem inferior... Mas eu realmente sou insuficiente pra você, eu não posso dar a você o que você quer. Eu já vivi isso antes, eu nunca sou o bastante pra quem eu amo. Nunca.

Vou percebendo então a distância que nos separa, cada dia maior e maior para mim. Já estamos longe mas é como se nem sequer vivêssemos no mesmo mundo. E isso me dói, e me custa muito segurar as lágrimas, mas o que posso fazer se, cada vez que percebo a distância entre nós, sinto como o nosso afastamento fizesse rasgar as fibras do meu coração fazendo-as se alongar, fazendo com que minha carne tentasse te alcançar e com isso meu corpo vai se desfazendo, se despedaçando, se dilacerando mais e mais, porque eu sempre tento te alcançar, sempre estendo a mão e, ao chegar no umbral uma fina camada de água a queima, e eu preciso me forçar contra essa barreira, preciso ir contra ela, sentindo como se milhares de agulhas de fogo entrassem na minha carne e fossem pouco a pouco me desconstruindo brutalmente, o sangue escorrendo e fervendo, ele mesmo queimando o que restou da minha pele, meu interior em ebulição, os ossos desprendendo da carne que já começa a se desfazer. 

Para você só existe beleza nesses quadros. E eu não faço parte de nenhum deles. Eu não gosto de me vestir assim e sou só um incômodo passageiro na sua vida, completamente dispensável. Mas o que eu faço com a minha vida?

Como eu pude deixar as coisas chegarem a esse ponto? 

Ele nem mesmo se importa, o vento frio que entra pela janela é a minha companhia. Minhas mãos estão geladas, meu coração pede por algum calor e o que eu ganho em troca? O silêncio e uma pantera. 

Só o que eu posso fazer é calçar umas luvas e esperar aquecer meu coração... Vou dormir e fingir que meu maior problema é ter um pesadelo quando, na verdade, meu maior problema talvez seja me odiar demais.

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