quarta-feira, 19 de julho de 2023

O mínimo

Um aforismo do professor me veio a mente tão logo me deparei com uma situação simples, mas tão simbólica quanto as atitudes que ela significava: "Platão, no Eutífron, falava daqueles que estão do lado do bem só por tradição e hábito, sem revigorar suas crenças pela busca ativa da verdade, e se tornam assim colaboradores inconscientes do mal. Buscam fazer o bem tal como o entendem, mas não têm valores para passar às novas gerações." (Olavo de Carvalho)

Algo disso fez todo sentido ao confrontar uma pessoa que, embora cobre de todos um posicionamento sério e responsável que, na realidade apenas reflete a sua candura mimada em querer controlar a todos, sendo então incapaz do mínimo mesmo de responsabilidade como ater-se ao seu horário ou lavar e guardar a própria louça. E então, abjetamente ligada a essa atitude, cobra do universo, dos astros, do Estado e dos colegas de trabalho que tudo quanto há de errado no mundo depende da malícia de todos, enquanto ela, pobre vítima inerme na ira divina da sociedade, sofre e padece porque porque a humanidade não presta a ela continência perguntando como deveria ser o mundo ideal.

Fechada então num patético país das maravilhas mas sem o bom senso adquirido por Alice no fim da história ela se revolta com tudo, com as roupas amassadas, com o sabor da comida cara, com os transeuntes ou com o deserto da rua... Tudo está errado mas ela é incapaz de perceber a sua conduta e como ela se encaixa no todo que ela mesmo tanto prega estar conectado. 

Se todas as coisas, do micro ao cosmos, estão unidas no Ser, não é de se estranhar então que as pequenas atitudes se somem umas as outras resultando nas grandes transformações. Isso seria o óbvio, mas o óbvio não é mais evidente para essas pessoas que se imbecilizaram de tal modo que já não são capazes de fugir do mundo de belezas fugazes que elas criaram e que, no entanto, é tão artificial que essa beleza já não conduz mais ao Bem e a Verdade, senão que é apenas uma fuga de seus medos e desejos infantis que se esqueceram de crescer. 

Chesterton disse que o mundo estava cheio de virtudes cristãs enlouquecidas, e coberto de razão, mas não só enlouquecidas como também virtudes que se esqueceram de crescer. Se gabam de buscar momentos de prazer por meio de uma beleza que os cative mas, na realidade se afundam cada vez mais na Apeirokalia, dessa privação das coisas belas capazes de despertar para o Bem e a Verdade... O resultado é vastamente visto por aí: jovens de toda parte preocupados com grandes questões ambientais, com a corrupção na política internacional, nos problemas sociais de séculos, no racismo estrutural, mas incapazes do mínimo respeito humano pelo próximo, como sua mãe ou os colegas de colégio ou trabalho enquanto se esbaldam em expressões pedantes da impotência de conhecer.

Como conversar com uma pessoa nesse nível de consciência sem deixar claro o quão abjeta ela é?

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