segunda-feira, 10 de julho de 2023

Uma tarde na Ilha

Por onde posso começar a descrever essa tarde? Ironicamente a minha forma de expressão é a que historicamente comporta a maior possibilidade sugestiva e, ao mesmo tempo a que parece limitar mais o seu autor. Ainda assim as palavras são minha única forma de expressão das minhas profundas impressões. Enfim, diletantismo literário à parte, ainda me pergunto por onde posso começar a falar. 

Me senti tocado pelo cinza daquele mar. Muito provavelmente a maioria das pessoas dali diriam que era um dia feio, um dia cinza, mas não um cinza forte e ameaçador de chuva, mas também não era um dia claro, iluminado, que dava ao mar um brilho forte do seu azul, não... Era apenas um dia cinza. Mas como homem simples, de poucas ambições, para mim era um dia incrivelmente lindo! E não apenas pelo brilho opaco do sol tímido se refletindo no mar, mas por causa do sorriso, ou melhor ainda, dos sorrisos.

Seja pela sua calorosa acolhida, pelo balançar lento daquela ponte de um aço imponente ou pelos alunos sorridentes que gritavam enquanto acenavam daquele forte lá embaixo, por todas essas coisas esse dia ficou marcado com um cinza claro, tranquilo como aquele momento de silêncio em que paramos a observar o movimento incessante do mar que se repete há tantos milhões de anos e que, a depender da lua, continuará indefinidamente. E esse é o brilho imperceptível que me cativou!

E por isso talvez eu nunca consiga descrever com precisão a visão daquele homem na porta de um hotel onde, certamente, muitas mulheres tantas e tantas vezes deram vazão aos desejos luxuriosos dos homens que atracavam naquela ilha, assim como em todos os portos do mundo. Aquela olhar, profundo, ao qual eu desviei em meio segundo por timidez, continha a sabedoria dessa verdade, ignorada por tantos mas sabida por todos. 

Talvez tenha desviado o olhar também pro belo rapaz de calça apertada que fazia entrega de comida no prédio do Ministério Público, mas também olhei bem fundo para os dedos velozes daquela velha rendeira que cantou pra mim, e que eu concordei, que as rendeiras de Santa Catarina são as mais belas, e a tônica daquele estribilho me lembrou o hino da Folia de Reis da região de Arinos em Minas Gerais, um hino que provavelmente já se perdeu sem que nenhum historiador, inclusive eu, tenha registrado, assim como as histórias que eu e meus primos ouvíamos ao redor das saias da minha avó na infância. 

Mas eu comecei falando do brilho cinza e me perdi em Devaneios justamente por causa do brilho que me guiou: cinza, profundo e acolhedor. Mais quente do que qualquer cinza jamais foi, aliás, quem disse que o cinza é uma cor triste?

Quem disse isso estava completamente enganado, ou não conheceu o cinza brilhante (talvez devesse dizer prata? Certamente tão nobre e belo quanto) Que me acompanhou, e que a cada esquina, a cada janela convidativa, a casa puxadinho escondido no centro, brilhava mais e se abria num sorriso iluminado, quentinho, mais profundo que as suas covinhas discretas, por onde passamos?

Foi uma tarde envolta em magia, na magia alegre que percebe justamente a beleza das pequenas coisas que todos os outros, apressados e estressados, já não enxergam. Perdem boas conversas num bar depois do expediente que podem, muito bem e tranquilamente, devolver o brilho do cansaço que a rotina tomou. E foi por isso que, em determinado momento ali, eu percebi uma coisa: percebi que não quero ser mais um cujo brilho se foi, eu quero iluminar também como fui iluminado, com uma luz mais forte que a do meio dia, um a luz que toca gentilmente o coração, uma luz que recupera o cansaço, uma luz que ri e sorri enquanto todos passam correndo. Eu percebi que há tanto para ver, tanto para conhecer, tanto para me encantar, tanto para sonhar, tanto para viver, tanto para brilhar! E tudo por causa daquele lindo brilho cinza de um dia nublado na ilha...

7 comentários:

  1. Estou passando por alguns questionamentos morais, gostaria da sua faceta de professor, indivíduo e quem sabe amigo.

    Pelo que sabes, acha que eu sou uma megera chata progressista?
    Que achas de mim?

    Esse tempo esquisito tem mexido com meus botões, mudando alguns pensamentos já estruturados, enfim.
    O começo das chuvas, do cinza e do vento frio traz consigo, inevitavelmente, a mudança.
    São maus tempos para os bipolares.

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    1. Este comentário foi removido pelo autor.

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    2. Entendo bem nosso dilema bipolar quando parece que o mundo exterior reflete nosso interior na sua constante indeterminação. Justamente por não me encaixar como progressista e nem como conservador porque ambos me abominam eu evito classificar as pessoas desse modo. Realisticamente falando todos temos coisas que queremos mudar, melhorar e destruir e tantas outras que queremos preservar, penso que isso é o normal. Às vezes a dialética negativa, a crítica ostensiva, tem por consequência o afastamento do outro, que acaba sendo sempre errado em tudo daí nos tornamos chatos. Conquanto buscamos melhorar, apesar das dificuldades, acho aceitável. Ademais, as únicas pessoas que realmente considero megeras e chatas são as fechadas demais para aprender, quer sejam progressistas ou não. Muitas vezes vejo como necessário ouvir um pouco mais antes de opinar. O que eu escrevo aqui, por exemplo, é uma fração mínima que permito tornar externa, enquanto muito permanece no interior por ainda ser mera resposta emocional e que pode machucar sem necessidade.

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    3. O tratado superficial. Você não serviria pra ser psicanalista, hahaha.
      De qualquer forma,Queria que falasse o que achas de mim, mas entendo que é difícil pelos meios limitados.
      Vamos ver quando a chuva parar.

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    4. Está vendo? É a isso que me refiro. Coloquei alguns pontos iniciais que poderiam servir de reflexão, nem digo que deles poderia sair algo de concreto mas já valeria a reflexão. Você já diminuiu tudo e colocou numa caixa que chamou de "superficial". Isso é definitivamente chato.

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    5. Esse é o ponto. Eu vivo a vida de reflexões, análise e coisas que enchem o saco. Sabe quando você precisa de um tapa na cara, e não a imaginação de um tapa?. De qualquer forma, eu sou bem equilibrada com as questões gerais, eu faço mais piada do que crítica (e isso pode ser na verdade um Chiste na psic, mas não vamos falar nisso ).
      Minha vida inteira é uma análise chata e insossa, mas fico feliz que saiu um gracejo de ''definitivamente chato'', visto que você tem uma certa dificuldade em expressar o que verdadeiramente pensa. Talvez eu faça um bom trabalho remotamente.
      E, apenas com o termo ''crítica ostensiva'', eu já captei a mensagem. Sou crítica, porém é por natureza.

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  2. Obs: Pensando em largar tudo, ir morar no centro histórico de São Francisco e trabalhar com a escrita (talvez eu passe fome)
    Já foi para São Francisco? Lá é realmente um ilha, é a cidade mais antiga de Sc, fez parte do tratado de Tordesilhas e tem uma arquitetura açoriana linda. Vale o passeio.

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