terça-feira, 18 de julho de 2023

Pureza e intimidade

Nessa manhã fresca, antes da época mais fria do inverno realmente começar, duas impressões se materializaram no meu peito. A primeira delas germinou ontem à noite, durante a Missa da memória de Santa Maria Goretti e seu martírio pela pureza. A segunda, que de algum modo eu vou tentar relacionar, é a de cada novo episódio de Tokyo In April is... que tem me encantado grandemente com cada nova demonstração de carinho e respeito. 

A princípio, e essa reflexão é destinada a ti, meu estimado afilhado, conquanto eu também vá publicá-la depois, eu tive a ideia de meditar sobre a importância que damos a nossa pureza e que, a exemplo de Santa Maria Goretti que é contada entre os grandes heróis da pureza, faz um grande contraste, de comparação até surreal, com a forma como normalmente tratamos a pureza. 

Particularmente eu pareço ser displicente com esse assunto mas, na realidade, só não quero abusar de uma moral excessivamente Kantiana e puritana que me causa agonia e que, como já o disse tantas vezes, mais aprisiona e machuca do que qualquer outra coisa. Em verdade eu apenas trato o assunto de modo leve porque sei o quanto a abordagem comum pode ser brutalmente injusta com todos e que acabamos caindo sempre na tentação de nos tornamos uma nova mulher de César... A verdadeira pureza é, antes de tudo, alegria para o cristão, e não esse peso horrendo como a pintam. Disso me valho então do exemplo da própria Santa Maria Goretti que preferiu ver perder-se a vida corporal, do que entregar sua pureza, chegando ao extremo do martírio, e tantos outros que fizeram da pureza a tela com que Deus pintou tão belas imagens, como a vida dos grandes São Domingos e Santo Tomás. Ambos viviam a pureza de modo tão pleno que todos aqueles que conviviam com eles era arrastados para ela dada a luminosidade de suas vidas. 

São Domingos, dizem seus biógrafos, era de tão grande pureza que todos relatam certo brilho que sua presença causava aos homens, coisa que ele conseguia com grandes penitências e com a busca de uma vida justa e dedicada a Deus e a pregação: São Domingos se exauria pelos irmãos e assim, sua pureza era então conservada e ele se dedicava mais perfeitamente aos outros sendo por ela continuamente alimentada sua vida. Mas note a diferença do que digo e do que dizem os puritanos: ele fazia disso sua alegria, sua motivação, e ela o ajudava a servir mais e melhor, não era um peso que se lhe mantinha constantemente em desespero. Com efeito a busca da pureza é para nós causa de desespero e não reflexo da pureza de Deus, sendo por isso mais uma busca movida pela vaidade do que pela verdadeira virtude moral da prudência.

Claro que exemplos extremos nos soam estranhos e até mesmo distantes, infelizmente a vida cristã foi hoje deturpada de tal modo, pelo mesmo puritanismo e moral kantianas que já citei, que eles chegam a nós como coisas são longínquas que se tornam lendas, histórias irreais. Por isso me valho agora de um exemplo talvez um tanto mais palatável. 

Em Tokyo In April is... vemos dois jovens que pouco a pouco aprendem a se abrir a pureza do seu amor. De que modo? Os traumas de ambos são para eles motivo de esconderem-se atrás de suas personalidades construídas especialmente para afastar os outros. Um deles sofre em silêncio enquanto sorri despretensiosamente e o outro apenas vive de modo estoico, apático, sem muitas demonstrações. 

Quando estão juntos acabam demonstrando então o que eles realmente sentem: o primeiro não esconde seus medos e seus traumas, senão que pede ao outro que respeite seu espaço, seu silêncio e sua intimidade, e o outro então demonstra o seu amor nessas cenas de carinho, numa delicadeza impar que deixa transparecer exatamente a pureza do seu sentimento. 

Essa pureza se dá no silêncio compreensivo, no olhar que apoia, no abraço gentil... Na intimidade eles, pouco a pouco, descobrem seu refúgio na pureza: a pureza é exatamente a não contaminação com as sujeiras que o medo dos outros lhes impõe, a destruição causada pela malícia, pela violência, pelo horror dos outros... Juntos eles sorriem, brincam, ficam em silêncio, se apoiam no ombro um do outro, tomam sorvete e cozinham. Eles se abrem assim a essa simplicidade, a essa pureza que não cabe mais em máscaras e construções. 

O que pretendo com isso? Difícil até mesmo para eu responder, senão que deixo a impressão dessas duas realidades que, no meu íntimo, se tornaram uma só. A busca de uma pureza tão cara que por ela daríamos a vida e que, de mesmo modo, se demonstra e se encontra na simplicidade, na tranquila busca pela libertação desses pesos que nos aprisionam e que, na verdade, acaba por nos libertar até dos medos e dos traumas. 

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