quinta-feira, 27 de julho de 2023

Companheiros

E a roda do destino tornou a girar, após o temível vulcão espalhar a sua destruição por todo o mundo sobrou apenas as cinzas e o silêncio. Uma mãe sofrida caminha por entre as ruínas, os olhos fundos, mais do que apenas a sua pele queimada, a dor tamanha que ela já nem mesmo sente e nem mesmo chora, não sabe o que procura, só continua a caminhar, até que a própria respiração venha ao seu termo sem que ela nem mesmo consiga olhar ao céu uma vez mais. Caída ela observa a sua mão delicadamente apertar um punhado daquela cinza, pouco a pouco a se transformar em lama com a chuva que começar a cair, ao passo que seus olhos vão ficando mais e mais escuros, vazios, até que seu último suspiro se perca por entre aquele som sem que ninguém se dê conta que ela se vai, assim como ninguém além dela deu pela morte do seu, pequeno corpinho a tremer até o fim...

X

Não tenho tempo para perder com auto piedade, nem para ficar reclamando de não ter estudado isso ou aquilo o bastante. Preciso fazer o melhor com o que tenho e me esforçar no que for possível sem, no entanto, me desesperar, o que seria, em si mesmo, outro problema. Só posso esperar que seja o bastante, tendo consciência de que, mesmo que não seja, é apenas o que posso fazer. 

Já estou habituado com esses dias que seguem aqueles picos de mania, ou da depressão. Hoje mesmo me encontro normal (posso dizer isso?), estou disposto, bem humorado mesmo com o clima frio e úmido, estou conseguindo fazer o que me pedem e não perder a paciência com bobagens. Estou tranquilo mesmo sabendo que nos próximos dias o movimento vai ser intenso por essas bandas por causa do Festival de Dança... Na realidade hoje é um daqueles dias que Adélia Prado dizia que Deus lhe tirava a poesia, eu olho o mundo ao meu redor e só vejo isso mesmo, sem magia, sem poesia... Mas sei que logo isso passa e vou conseguir achar alguma beleza novamente. 

Quem sabe nesses dias em que a cidade está cheia de turistas eu não encontre um jovem e doce bailarino que, sendo tímido e só conseguindo dançar que é sua paixão, acabe vendo em mim alguém que possa ficar ao seu lado e lhe ensinar que a vida tem outras coisas também belas? Perdoem o meu devaneio, é algo que eu não posso evitar. 

X

É inútil tentar se fazer entender. As pessoas enxergam apenas aquilo que elas querem não é mesmo? Eu tentei mostrar a alguém algo que acho belo, uma imagem daqueles dois rapazes no parque, e tudo que ele viu foi um momento de lazer, e acha que vejo a beleza nisso, quando em verdade o que eu via, e que eu queria que ele visse também é como dois homens juntos pode sim ser belo, sutil e simples, tão íntimos quanto aqueles casais ideais que ele me mostra todos os dias. Mas, assim como eu não consigo ver nenhuma beleza neles, ele não vê nada também, e seguimos sem nos entender, sem ele perceber que eu vejo como poderíamos ser belos assim. Mas é inútil. 

Assim como é inútil também tentar acompanhar tantas discussões, tantas mentes que só encontram prazer no ódio, na destilação do mais puro caos e que são incapazes de ver, não digo nem mesmo a beleza do outro, mas o próprio outro. Geralmente deixo apenas que as pessoas falem, que se deixem libertar desses sentimentos, que talvez se sintam melhores assim. Mas dessas pessoas eu quero distância, quero ficar bem longe desse coração duro, desse ódio que as consome. Desse medo pelo que é real que as faz querer destruir tudo e todos, já que todo o mundo está errado, todos os sistemas, todos os homens, tudo o que foi criado, e apenas as suas grandes mentes foram capazes de perceber o que há de horrível e podem estruturar o céu na terra, numa imanentização da escatologia, no horror ao outro, ao humano, ao belo, a tudo aquilo que não é produto do seu meio limitado e imediato. 

Dessas pessoas eu não invejo a companhia, de modo algum. Prefiro ficar sozinho, mesmo com toda minha aversão à solidão eu me recuso a ficar por perto dessa dialética negativa materializada. 

Por isso talvez os meus sonhos de companheiragem são tão distantes...

Nenhum comentário:

Postar um comentário